Encontrar alguém para interpretar um ícone como Marilyn Monroe é sempre um desafio. Andrew Dominik, diretor do polêmico Blonde, achou a sua em uma produção de terror. Mais precisamente, Bata Antes de Entrar (2015), de Eli Roth, em que Ana de Armas interpreta uma das duas garotas que infernizam o personagem de Keanu Reeves.
“Ana tem a mesma qualidade de Marilyn Monroe: o filme gira em torno dela quando aparece na tela. É como se ela fosse o sol, e tudo orbita à sua volta. O que acontece com ela no filme é o que importa, não o filme em si”, disse Dominik em entrevista com a participação do Omelete, em Veneza. “O desafio de escalar alguém para fazer Marilyn Monroe é que você precisa entender para que tanto alvoroço. E no caso dos filmes de Marilyn, dá para ver que ela é sempre a coisa mais importante no filme.”
Havia um problema, porém. Nessa época, Ana de Armas praticamente não falava inglês – ela aprendeu seus diálogos para o longa de Eli Roth imitando os sons, apenas. O sotaque era forte. Como ela ia fazer um dos maiores mitos americanos, nascida e criada em Los Angeles, Califórnia?
Só três anos depois é que a atriz cubana faria o teste para viver Marilyn Monroe, depois de aparecer, por exemplo, em Blade Runner 2049. “Eu fiquei estarrecida quando ele me convidou”, disse Ana de Armas. “Isso não era para acontecer. Não era uma personagem que deveria estar no meu caminho.”
Deu medo? Claro. “Mas Andrew e o material eram mais fortes que meus temores. Eu tinha de fazer.” A atriz sabia que teria de trabalhar no sotaque e na maneira de falar, meio sussurrada e infantil, da estrela de Hollywood, além das expressões faciais e gestos. “Mas seu coração, suas emoções, eu compreendia.”
A escolha deu mais do que certo. Se há uma coisa que funciona em Blonde, é a caracterização de Ana de Armas, morena de olhos verdes, como Marilyn, a loira platinada de olhos azuis. Em algumas cenas, a atriz está idêntica a Marilyn Monroe. Blonde recria algumas de suas sequências mais famosas, apesar de, na verdade, não estar muito interessado na obra, e sim na pessoa. Ou melhor, nas dores, traumas e sofrimentos de Norma Jeane, a menina criada por Gladys (Julianne Nicholson), uma mãe com problemas de saúde mental, sem o pai, que sempre procurava ser desejada, amada e cuidada.
É bom avisar que Blonde não é uma biografia de Marilyn Monroe, mas uma adaptação do livro ficcional de Joyce Carol Oates, que tem mais de 700 páginas. Por isso, seu segundo marido, Joe DiMaggio, é apenas o ex-atleta (vivido por Bobby Cannavale no filme), e o terceiro, Arthur Miller, é o dramaturgo (papel de Adrien Brody). A autora escreveu um romance experimental que fala da criação de um mito e mais especificamente de um mito americano.
Marilyn era uma personagem criada para o consumo do público que terminou por consumir Norma Jeane. Havia uma dualidade ali. Por isso, Ana de Armas acha que nunca teve certeza de sua interpretação do ícone. “Nem ela sentia que era Marilyn. Norma sempre falava de Marilyn na terceira pessoa”, contou. Dominik acrescentou: “Ela sempre estava tentando sobreviver à cena em que estava no momento”.
No filme, ela é marcada pela opressão do olhar masculino, sofre abusos físicos e sexuais, passa por múltiplos abortos, espontâneos e provocados, é sempre tratada como a loira burra infantilizada, vicia-se, morre de overdose aos 36 anos de idade. Ana de Armas disse ter aprendido muito com Marilyn. “Ela era corajosa. Aguentou muita coisa”, disse a atriz. “E é como se ela tivesse nascido aos 30 anos. Não sabemos quem era a criança, quem era a adolescente. Quem era ela? Então aprendi que, com as experiências de sua vida, seus traumas, suas dores, é preciso ser muito forte para seguir em frente.”
Blonde já está disponível na Netflix.
