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Discutir o recebimento de iPods em troca de boas matérias jornalísticas [nota dos editores: o crítico refere-se a uma acalorada discussão recente na mídia brasileira, depois que a revista Veja erroneamente acusou jornalistas e veículos de falarem bem do segundo disco da Maria Rita apenas porque receberam o player de música digital da Apple] não é nada perto dos perturbadores meandros desse pedaço mal contado da história norte-americana. Sem dúvida, Good Night, and Good Luck (2005), drama dirigido por George Clooney, é um dos mais impressionantes filmes da temporada. O alto contraste de seu preto-e-branco já indicam cromaticamente os percursos dilemáticos que a película segue. O clima expressionista de film noir indica apenas um efeito contraditório em relação a um argumento quase documental.
Em pleno macarthismo, o âncora de TV Edward R. Morrow (David Strathairn) e sua equipe de repórteres desafiam os poderes estabelecidos apenas por lutarem para apresentar os dois lados da questão. Morrow revela as mentiras e as táticas usadas pelo senador Joseph McCarthy em sua "caça às bruxas" contra supostos comunistas. Um grande confronto público se desenvolve a partir do momento em que McCarthy, ao invés de usar o direito de resposta oferecido por Morrow, procura intimidá-lo, acusando-o de também ser comunista. O conflito ocorreu nos anos 1950, quando a televisão estava em seu início e os jornalistas da CBS, em início de carreira, não tinham ainda a força que adquiririam nos anos seguintes.
Good Night não deixa de ser traiçoeiro. A preocupação estética de George Clooney, procurando resgatar os detalhes de figurino da época, o cigarro no canto da boca e o tom esfumaçado dos bastidores da notícia, sugere que se trata de um filme meramente performático. Há um rigor formal em manter a beleza das luzes e dos espaços. Mas não. O filme tem sua maior força nos diálogos e não nos efeitos. O destrinchamento discursivo é de uma riqueza admirável para um relativo novato atrás das câmeras. Amortecido pelos tons bicolores e pelo fog dos ambientes, parece que o espectador atordoado entra num filete da história dos Estados Unidos anti-comunista, tendo a rispidez da palavra como seu cotonete pra ficar atento ao jogo de poder e influência. Nada mais contrastante do que a brilhantina pra reluzir as aparências e realçar os contornos negros de verdades ofuscadas pela própria mídia loba da mídia.
Érico Fuks é editor do site cinequanon.art.br
Ano: 2005
País: EUA
Classificação: 14 anos
Duração: 93 min
Direção: George Clooney
Roteiro: Grant Heslov, George Clooney
Elenco: Jeff Daniels, David Strathairn, Alex Borstein, Rose Abdoo, Dianne Reeves, Tate Donovan, Reed Diamond, Matt Ross, Patricia Clarkson, Robert Downey Jr., George Clooney, Thomas McCarthy, Glenn Morshower, Don Creech, Grant Heslov, Robert John Burke, Ray Wise, Robert Knepper, Helen Slayton-Hughes, Frank Langella, Peter Jacobson