Brando (2007) é um documentário-tributo ao maior ator da história do cinema. Os cineastas Mimi Freedman e Leslie Greif contam em 165 minutos as origens de Marlon Brando, seu inicio na profissão, a glória e a decadência proposital. Também investem em seu lado ativista e defensor dos direitos humanos. Já a vida pessoal do retratado tem uma abordagem ligeira, até por causa das tragédias que permearam sua existência. Fica claro que a produção procurou evidenciar o lado "ator" em detrimento às fofocas e inverdades que costumam perseguir todo ícone da cultura pop.
A grande força do documentário reside nas dezenas de entrevistas com colegas. Profissionais como Jane Fonda, Dennis Hopper, Martin Scorsese, John Turturro, Edward Norton, Al Pacino, Johnny Depp, Ed Begley Jr., Robert Duvall, Karl Malden, Sean Penn, Denis Hopper, Harry Dean Stanton, James Caan e Arthur Penn, entre outros, contam momentos que dividiram com Marlon Brando. Muitas repletas de humor e curiosidade, mas, ao mesmo tempo, analisando seu trabalho e suas escolhas. Todos têm a mesma opinião: Brando mudou a forma de atuar. Ele foi o pioneiro e o aluno mais celebrado do method acting, método de preparação de atores criado por Konstantin Stanislawsky no Teatro de Arte de Moscou e adaptado à dramaturgia norte-americana por Lee Strasberg. Segundo o "Método", o ator devia por meio de curiosos exercícios mentais chegar a uma identificação emocional perfeita com o personagem. Esta identificação deveria estar presente em cada gesto, em cada movimento, em cada inflexão de voz. As interpretações eram tão vivas que muitas vezes, os espectadores não sabiam quem estava no filme: o ator ou o personagem.
Quando Um bonde chamado desejo chegou aos cinemas, por exemplo, o público confundiu o personagem agressivo e mau-caráter com a personalidade de Brando. Seus momentos de silêncio e os resmungos incompreensíveis marcam toda uma geração de artistas. Conforme outros papéis foram surgindo todos percebem que estavam diante de um ator incomparável. Graças a ele, começou no cinema um novo estilo de interpretação.
O documentário apresenta também entrevistas feitas nos últimos 50 anos com o próprio Brando e diretores como Elia Kazan. Uma cena interessante acontece quando o áudio da transmissão radiofônica da peça de teatro Um bonde chamado desejo é mixado com o som do filme e, aos poucos, entram as respectivas cenas. Impressiona como Brando repetiu exatamente na telona o que tinha feito no palco. A diferença está nos close-ups que capturam todas as nuances de sua expressão.
O documentário também resgata dois momentos interessantes: um teste para o filme Juventude Transviada em 1947, que anos depois consagrou o ator James Dean, e um pequeno filmete feito na casa do ator Kevin McCarthy, no qual Brando e o ator Montgomery Clift se divertem.
O longa-metragem também tenta destrinchar a personalidade de Brando e sua ambivalência entre o agressivo e o terno. Descobre-se que os vários personagens que ele protagonizou eram espancados por causa de sua obsessão pelo sofrimento humano. Afinal, ele mesmo foi uma vítima da violência, algo que deixa transparecer no filme A Face Oculta. A produção seria dirigida por Stanley Kubrick, mas Brando o espulsou e resolveu dirigir ele mesmo o filme.. Nela percebemos referências da turbulenta relação do ator com seu pai através do personagem xerife Dad ("pai") Longworth, interpretado pelo ator Karl Malden. Longworth dá uma verdadeira surra em Rio, personagem de Brando.
Mas depois de anos com filmes e personagens marcantes, Brando chega à conclusão que a profissão de ator não é séria. Passa a dedicar-se então ao ativismo civil, envolvendo-se com vários grupos e causas. O reflexo dessa escolha são os filmes com uma mensagem social, nos quais Brando faz questão de protagonizar os vilões - uma forma de chamar a atenção para as causas. Ao mesmo tempo, os filmes fracassaram e os produtores de Hollywood acharam que sua carreira tinha acabado. Nesse período Brando passa a atormentar os diretores de seus filmes. Uma forma de desafiar a figura paterna que está associada ao diretor. Uma maneira de encarar seus traumas passados. Aí veio O Poderoso Chefão - e a certeza de que Brando continuava com a mesma genialidade. Se ele não participava de projetos vitoriosos para a indústria era por escolha própria. No documentário, o elenco de Chefão divide diversas curiosidades dos bastidores. Infelizmente, faltou o depoimento do cineasta Francis Ford Coppola, responsável pelo ressurgimento de Brando nas obras-prima O Poderoso Chefão e Apocalypse Now.
O longa ainda traz imagens inéditas de Brando com em sua ilha paradisíaca. A partir desse momento, as imagens vêm acompanhadas com depoimento de um de seus filhos sobre as suas intenções em relação à ilha.
O documentário é o arquivo definitivo sobre Marlon Brando. São fatos, histórias, depoimentos, entrevistas, imagens, idéias e reflexões para consulta. Vital para qualquer cinéfilo.
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