Homossexualismo e Israel são os temas-base do cinema do diretor Eytan Fox desde o seu primeiro trabalho, o média-metragem Time Off (1990), até os longas Delicada Relação (2002) e Walk on Water (2004). Com Bubble (2006), o mais recente, não é diferente.
O que muda é a crescente tendência de Fox para polemizar. Delicada Relação mostrava dois oficiais do exército israelense que se amavam. Em Walk on Water, o homoerotismo se colocava entre um judeu e um neto de nazista. Em Bubble a relação se dá entre um judeu e um muçulmano.
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Noam (Ohad Knoller) está voltando para Tel-Aviv depois de servir o exército israelense no posto de controle de Nablus, na Palestina. Ali ele havia experimentado o choque de fiscalizar a passagem de árabes, uma humilhação constante de revistas, gritos, tiros para o alto. No seu último dia no posto, Noam viu uma mulher árabe grávida esperar de pé em fila, ser obrigada a mostrar a barriga para os oficiais, e perder o filho depois de parir em céu aberto.
A cosmopolita Tel-Aviv não tem nada disso - não é por acaso que chamam o bairro de Noam de "bolha". É fácil se alienar ali, em meio a lojas e cafés, e se os amigos de Noam são engajados em nome da paz não foi Tel-Aviv que os fez assim. Gays como o próprio protagonista, a mioria dos personagens centrais do filme nos passa a sensação de que a luta por liberdade - política ou sexual - não depende de informação, e sim é uma reação quase que instintiva ao mundo que os cerca.
São colocados à prova os ideais de Noam e seus amigos no dia em que o árabe Ashraf (Yousef Sweid) bate na porta do apartamento que eles dividem em Tel-Aviv. Noam deixou cair seus documentos na confusão em Nablus, diz Ashraf. O judeu já havia prestado atenção no árabe no posto de controle. Noam convida Ashraf para ficar, e os dois começam a se relacionar. Os traços sutis do árabe e o seu domínio do hebraico facilitam a sua adaptação a Tel-Aviv. E Noam não parece se incomodar com o mundo que os divide. Mas não dá para ignorar a realidade.
O tema é interessante e as intenções são as melhores. Mas Eytan Fox se trai. O diretor tem algo de Alejandro Iñárritu no sentido em que direciona Bubble - e os acasos da trama - no caminho de um encruzilhada. Em comum com Babel, um perigoso julgamento de valor que transparece na imagem. Lá, só japoneses e estadunidenses tinham direito a discutir dramas pessoais (e cabia a mexicanos e marroquinos o peso dos seus atos), e aqui quem sofre mesmo são os judeus (os árabes são os gatilhos).
O exemplo maior desse viés dois-pesos-e-duas-medidas é a cena da grávida: pelas escolhas de câmera (tremida na árabe, close-up detido em Noam) fica parecendo que o israelense está sofrendo mais do que a própria mulher que perdeu o filho! Isso sem falar na falta de tato que é emendar a cena com uma trilha sonora pop dos EUA... Fox se entrega em momentos assim porque, apesar do discurso humanista, ele adota uma perspectiva só, a dos israelenses "cidadãos do mundo".
Como Fox é um dos desses cidadãos do mundo, a influência do cinema de gênero se faz sentir. No retrato que tece de Tel-Aviv e dos seus habitantes, Bubble se assemelha ao enlatado agridoce hollywoodiano. Pontos de encontro viram cenários: o teatro, o café, a boate. Como na teledramaturgia, os personagens secundários de Bubble viram estereótipos. Tem o gay alienado, tem o rapaz incompreendido que ama a garota, tem a garota que não se acerta com os homens...
Perfil planificado é compreensível (não dá para ficar se aprofundando em todos os personagens), mas Eytan Fox tem que aprender a pôr os coadjuvantes em seus lugares. Ele chama o espectador a atentar para o drama de cada um deles (como os núcleos de uma novela mesmo) e não tem estofo para desenvolvê-los além da caricatura. Se fosse para eleger protagonistas múltiplos, que desse uma de Altman.
Com o perdão do trocadilho, na superfície Bubble parece um filme bastante superior, mas no fundo é só mesmo uma versão irranituniana de O Sexo e A Cidade.