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Hollywood realiza, por ano, "somente" trezentos longas. Em 2001, Bollywood - como é chamada a indústria indiana de filmes localizada em Mumbai, ex-Bombaim - despejou cerca de mil filmes no mercado interno. É fácil entender esse ritmo taylorista de produção. Os musicais, em sua grande maioria, são idênticos. Como nas piores comédias românticas, mudam só os nomes dos personagens.
Mais difícil de analisar é o seu sucesso. Existe, sim, demanda para essa oferta opressora de enlatados. A média semanal de público na Índia chega a 150 milhões de espectadores. É um número robusto, quase surrealista, mesmo para uma população que em 2000 bateu o bilhão de habitantes. Sabemos muito pouco dessa produção, já que Bollywood se encerra em si mesma: a exportação inexiste e a importação de produtos norte-americanos é ignorada pelo público.
Os que chegam ao Brasil são os marginalizados. Assim como acontece com o realismo iraniano ou com o novo cinema de Coréia do Sul e Taiwan, aqueles filmes que poucos vêem em seus países natais se espalham pelas mostras do mundo e acabam caindo nos circuitos alternativos daqui. Buddahdeb Dasgupta é o típico cineasta indiano que ganhou o mundo tratando dos temas sérios que a popularesca Bollywood negligencia.
A obra de Dasgupta já teve uma retrospectiva na 25ª Mostra BR de Cinema, e o diretor integrou o júri na edição de 2002. Agora, ele apresenta o seu mais recente projeto, Caçados por sonhos (Swapner din, 2004). Assim como nos outros 25 filmes de sua carreira, um idealismo quase naïf e a celebração da vida se fazem notar entre temas contemporâneos, muitas vezes nebulosos no país, como a pobreza, a superpopulação, a rigidez religiosa e os conflitos armados nas fronteiras. Caçados por sonhos se diferencia por um detalhe crucial, que o torna ainda mais curioso: o próprio cinema está em pauta.
Road-movie agridoce
Bollywood se infiltra no filme. Depois de insistir por anos, o ator Prosenjit, um dos maiores astros locais, finalmente consegue trabalhar com Dasgupta, assim como o produtor Jhamu Sugandh, manda-chuva da indústria. É curioso notar que o cineasta não faz concessões quanto à trama do filme. Pelo contrário, a história trata das ilusões alimentadas pela ficção alienante dos campeões de bilheteria.
Paresh (Prosenjit) é encarregado pelo governo de levar aos pobres noções de controle de natalidade. Carrega em seu jipe, de um lado para o outro, um projetor com o filme educativo. O problema é que ninguém gosta de assisti-lo, já que camisinhas e gráficos substituem dança, música, mulher bonita... Nem o próprio homem parece acreditar em si mesmo, uma vez que se embebeda com o seu co-piloto a cada parada. Paresh só pensa - ou sonha, como diz o título - no dia em que encontrará à sua frente aquela estrela inalcançável das superproduções.
Um dia, o projetor é roubado. Paresh, o co-piloto e uma moça grávida, carona do jipe a caminho da fronteira, começam a procurar o misterioso ladrão enquanto seguem informações desconexas nas vizinhanças. Um tanto bem humorada, outro tanto reflexiva, essa procura promete durar bastante tempo... E aí Dasgupta tem espaço para tratar daquilo que lhe interessa.
Simbolicamente, Paresh ficou viúvo daquilo que o resguardava. Sem o cinema, começa a se incomodar com o descaso dos policiais da estrada, com o insultos de motoristas mais abastados, de castas superiores. Aliás, neste ponto, as diferenças culturais entre brasileiros e indianos pode prejudicar a sessão. As minúcias em relação à geografia da Índia e às diferenças étnicas/religiosas podem atrapalhar os não-iniciados. Mas nada que comprometa a compreensão das intenções desse road-movie agridoce. Dasgupta sabe, afinal, que a linguagem do cinema é universal.
Ano: 2004
País: Índia
Classificação: LIVRE