Em uma frase emblemática que cristaliza a ideia do primeiro ato de Capitão Fantástico, Ben (Viggo Mortensen) diz a Bo (George McKay), o mais velho de seus seis filhos: "Marxistas podem ser tão genocidas quanto capitalistas". Não pelo que os qualifica (genocidas), mas pelo que os aproxima, o discurso de Ben evoca o tema fundamental do filme, que lida com a negação de valores do liberalismo econômico em defesa de uma vida livre e igualitária - ambos universos por onde pode perpassar o autoritarismo.
O filme, que parecia no início se lançar como uma propaganda panfletária de um comunismo à la Bernie Sanders, aos poucos levanta um questionamento pertinente sobre o idealismo em uma sociedade opressora e sobre como a fuga de um regime tirano pode levar a um comportamento igualmente autocrata e dominador.
Capitão Fantástico trata de Ben, um homem que cria seus filhos em uma casa na mata, onde ensina desde sobrevivência na selva até o mais erudito da literatura e da música, sempre baseado nos princípios de sociedade ideal de Noam Chomsky. Depois da notícia da morte de Leslie, sua mulher, a família sai em viagem para impedir a cerimônia cristã de despedida e honrar o pedido de funeral da mãe, documentado em testamento. A trama projeta um road movie clássico, em que a jornada é mais importante que o objetivo final. Ao mesmo tempo, lida com o amadurecimento dos garotos Bo e Rellian, que, além de Ben, são os únicos personagens com um arco dramático definido. Diferente das filhas, que têm importância muito menor na trama, os dois rapazes se sentem socialmente deslocados e seus questionamentos levam Ben a primeiro reiterar e depois colocar em dúvida sua metodologia.
O diretor Matt Ross conduz o espectador primeiramente a colocá-lo em submissão ao ideal de vida proposto por Ben: seus filhos, entre sete e 18 anos, têm pensamento crítico, excelentes referências culturais, ótimo desenvolvimento musical, aptidão física de um atleta de ponta e um ideal de convivência horizontalizado, em negação a hierarquias. Principalmente quando colocados em contraste com primos imersos na cultura do consumo, os filhos de Ben fazem a sociedade moderna parecer tóxica, estúpida, fútil. O direcionamento da narrativa para este sentido é proposital. Quando Ben confronta Jack (Frank Langella), o pai de Leslie, seu sogro apresenta argumentos tão pertinentes ao condenar o estilo de vida da excêntrica família, que nos sentimos cúmplices do abuso infantil, dos riscos de morte, dos constrangimentos sociais aos quais os seis filhos são expostos ao longo do filme e com os quais fomos coniventes em nome de uma proposta de educação diferenciada.
Apesar de causar uma interessante reflexão, Capitão Fantástico abandona o potencial de tensão para trilhar um caminho leve de resignação e catarse na terceira parte do filme. Em uma trajetória clássica de volta ao ponto de partida, todas as adversidades - a falta de manejo de Bo nas relações sociais e seu desejo por ingressar em uma Universidade; o fato de Rellian se sentir deslocado e sua chama furiosa meio River Phoenix; as ameaças de Jack de tomar a custódia das crianças - parecem apenas obstáculos funcionais a se superar e deixar para trás, não com o intuito de trazer o peso dramático de uma reflexão plausível, mas com o objetivo de transmitir a ideia de que o amor da família sempre impera, acima de tudo.
De todo o aprendizado, no fim, a família absorve o que lhe é conveniente. Neste sentido, o espectador corre o risco de se desassociar dos personagens, já que o impacto de toda a trajetória afeta mais o público e parece passar imune pelas pessoas retratadas no filme.
Ano: 2016
País: EUA
Classificação: 14 anos
Duração: 90 min
Direção: Matt Ross
Roteiro: Matt Ross
Elenco: Viggo Mortensen, George MacKay, Annalise Basso