A inclusão de uma inocente cena extra no final de Harry Potter reacendeu uma discussão há muito esquecida, e encoberta pelos efeitos especiais, atores glamourosos e atrizes anoréxicas. Para que, afinal, servem todas aquelas letras correndo tela acima na mesma velocidade com que o público dispara da cadeira até o banheiro?
Nos velhos tempos de Hollywood, os créditos eram poucos e restritos aos astros. Ninguém estava interessado no câmera, ou no cozinheiro. A ascensão dos sindicatos, no entanto, que incluiu uma famosa guerra de Hollywood com direito a tiroteios, acabou deixando claro que os filmes são feitos por alguns diante das câmeras e uma multidão atrás delas. Uma cena íntima entre dois atores pode somar até 38 pessoas cuidando do som, imagem, direção, maquiagem, roteiro, iluminação, segurança, alimentação, saúde e uma lista interminável de coisas indispensáveis, que pode somar mais de 400 nomes como em Superman - O filme.
Os créditos servem, obviamente, para listar quem fez o quê. E também para determinar a posição social de cada um pelo lugar onde seu nome aparece e o tamanho da letra em que é escrito. O objetivo não é só informar o público. Assim como o currículo que você carrega de porta em porta, o crédito de carpinteiro em Titanic, ou eletricista em Gladiador garante trabalho, salário melhor e reconhecimento numa indústria onde sua fama é a diferença entre o aluguel e o abrigo dos sem-teto. E os detalhistas podem encontrar lá pelo 12° nome dos créditos de A testemunha alguém que hoje é um astro.
O começo de tudo
No início não há sequer o título do filme. Antes dele vem o nome do estúdio (Colúmbia, Warner, Universal, DreamWorks). Depois o da produtora (Egg, Amblin), e dos investidores, geralmente seguido da expressão em associação com (in association with).
Aqui estão também os astros que conquistaram o direito de aparecer antes do nome do filme, posto geralmente ocupado pela turma dos vinte milhões de dólares. O lugar é, acima de tudo, fruto da capacidade de Tom Hanks, Mel Gibson, Russel Crowe ou Julia Roberts de arrancar gente de casa só com sua presença na tela. É por isso que estão lá e são tão bem pagos. Perdido o poder, vão sair do local mais rápido do que você diz Jean-Claude Van Damme.
Em seguida, vem o nome do diretor que, conforme determinação do Directors Guild of America, o sindicato da classe, deve ser um só. Outro nome só pode ser citado se o diretor original tiver morrido no meio da produção. Quem saiu porque brigou com o contador, o produtor, ou a estrela do filme não aparece. Nem que tenha razão na briga. Em 1940, o sindicato determinou que o nome do diretor fosse o último antes do título e a regra é seguida até hoje.
Depois do título, vem o nome dos outros atores, geralmente em ordem de importância, diretor de elenco, compositor, designer de produção, editor e diretor de fotografia. Em seguida, vem o nome do roteirista.
E a dor de cabeça começa.
O Writers Guild of America, isso mesmo, o sindicato dos roteiristas, determina que apenas três nomes ocupem esse posto. Duplas são creditadas com um &, enquanto duas pessoas trabalhando separadas são creditadas com um and e uma decisão é tomada quanto a quem vem primeiro. Se alguém escreveu a história na qual o roteiro é baseado, recebe crédito como story by. Quem escreve a história sozinho, mas o roteiro com mais alguém, recebe story by e depois tem seu nome colocado em primeiro lugar no crédito de roteiro. Dúvidas e brigas, como em O Homem-Aranha, onde o roteiro passou de mão em mão por anos, são decididas no tapetão do sindicato, educadamente chamado de comissão de arbitragem. Isso evita que os 35 escritores que colaboraram em Os Flintstones encham a tela e matem o público de tédio.
Gente que não existe
Se você encontrar o ator George Spelvin, ou sua irmã gêmea Georgina no elenco, e ouvir os atores dando entrevista dizendo como as filmagens foram maravilhosas, pode ter certeza de que estão mentindo. O mesmo acontece se o diretor for Alan Smithee. Esses são nomes usados por atores e diretores que pediram para serem retirados dos créditos. Oficialmente, por diferenças criativas. Pode incluir salário, cortes no roteiro, no orçamento, e troca de sopapos nesse item.
Depois do fim
Passado o The End, vem o grosso dos créditos, encabeçado geralmente pelo elenco e o nome da personagem de cada um, em ordem alfabética, ou qualquer outra determinada pelos contratos. Em seguida, vem o pessoal técnico, que parece crescer a cada dia, alguns com títulos bem esquisitos. Para facilitar, aí vai uma lista:
Gaffer: eletricista-chefe. Trabalha com o diretor de fotografia, cuidando de toda a iluminação necessária e comandando uma equipe de eletricistas.
Best Boy: assistente principal do gaffer.
Grip: todos os encarregados de carregar e instalar equipamento no estúdio ou em locação. O chefe da equipe é o Key Grip. Quando o gaffer precisa de iluminação, são os grips que carregam e instalam para que os eletricistas trabalhem. O Dolly Grip é o encarregado de instalar e movimentar a câmera sobre trilhos. Pense assim: se carrega alguma coisa, é um grip.
Wrangler: qualquer um que cuide dos animais na filmagem. Atualmente também aparecem os treinadores.
Foley: o bom e velho contra-regra dos tempos do rádio. É o pessoal que joga aspirador de pó no chão para fazer de conta que um andróide foi desmantelado quando Obi-Wan usou a Força.
Greensman: responsável pelas plantas, verdadeiras ou falsas usadas na produção. Lembre-se, em O Senhor dos Anéis, a grama e as plantações do Condado foram cultivadas um ano antes do início das filmagens. E alguém teve de ficar lá aguando a horta.
Assistant Director: na verdade esse aí não dirige. Sua função é organizar as filmagens do modo mais eficiente (econômico), separando cena por cena do roteiro de acordo com os atores e locações exigidas. O Pistoleiro Solitário Frohike em Arquivo X, Tom Braidwood, era também diretor assistente na série.
Second Assistant Director: se o primeiro assistente não dirige, muito menos o segundo. Sua função é organizar a chamada da equipe e do elenco, controlar as horas de trabalho, escolher extras, organizar sua movimentação em cena (para a direita! para a esquerda!) e trabalhar com a polícia para manter a locação segura. Nas filmagens de Para Wong Foo, Obrigada por tudo! Julie Newmar, incluía não me deixar ver o Patrick Swayze direito.
Second Second Assistant Director: não, ninguém errou na dose. Em grandes produções, com duas unidades filmando ao mesmo tempo, esse é o título do assistente do Second Assistant Director.
Stunts: dublês, encarregados de todas as cenas perigosas que não envolvam Jet Lee, Michelle Yeoh, Viggo Mortensen e outros malucos que gostam de fazer suas próprias cenas perigosas.
A maioria dos outros títulos é auto-explicativa e tem a ver com o tipo de produção. Onde Russel Crowe tem de abandonar seu sotaque australiano, ou Renne Zellweger tem de assumir um sotaque britânico, é fácil encontrar um treinador de diálogo. Ele também serve para ensinar élfico ou a língua da cobras. Entram ainda na lista armeiros, fabricantes de capacetes, costureiros, pessoal de guarda-roupa, fornecedores de comida, motoristas, maquiadores, os assistentes dos astros e, se houver bebês, uma enfermeira, também chamada de baby wrangler quando o pessoal que escreve os créditos está a fim de piada.
Os créditos também informam quais músicas aparecem no filme, como em Shrek, estúdios e locações usados, se George Lucas ganhou ou não dinheiro com os efeitos especiais. Entram no final, também, os agradecimentos aos Habitantes de Farnham, Surrey, Reino Unido ou outro local onde os atores tenham dado o ar de sua graça e a boa vontade das autoridades foi solicitada para usar monumentos, praças ou parques nacionais. Depois vem a data da produção, o copyright e pronto.
Tudo muito sério e de acordo com a lei. Ou quase. Mas isso é assunto para a parte 2 dessa história.
Créditos do artigo: Escrita por Ederli Fortunato. Publicada no Omelete, site produzido em parceria pela Tribal Interativa, Marcelo Forlani, Érico Borgo e Via Lettera Editora. Diagramada por Érico Borgo. Revisada por Jotapê Martins. Disponibilizada online através de sistema criado por Fernando D´Angelo. Tá vendo com são os créditos? :-P
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