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Coisas que Perdemos pelo Caminho

Primeiro filme hollywoodiano da dinamarquesa Susanne Bier abraça o melodrama sem medo

03.01.2008, às 16H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H32

Harper (Alexis Llewellyn) ainda está assimilando o assassinato do seu dedicado pai (David Duchovny), crime que deixou sua mãe (Halle Berry) desnorteada a ponto de ela botar para morar em casa o melhor amigo do marido, o viciado em heroína Jerry (Benicio Del Toro). Harper então divide com Jerry: "Você já viveu a sensação de estar dentro de um filme, daqueles tristes?".

Nem chega a ser metalinguagem. Está mais para autoconsciência a forma como Coisas que Perdemos pelo Caminho encara a sua condição declarada de melodrama.

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A cineasta dinamarquesa Susanne Bier já era conhecida pelas tristes histórias de morte e luto tratadas sem meios termos, notadamente nos pesados dramas lançados no Brasil Corações livres (2002), Brothers (2004) e Depois do Casamento (2006). Em seu primeiro longa-metragem hollywoodiano, Bier reproduz uma preocupação que ela herdou do Dogma 95 dinamarquês: não tem medo de abraçar uma estética ao mesmo tempo em que tenta evitar as armadilhas dessa estética.

Coisas que Perdemos pelo Caminho é, em síntese, um grande esforço de fazer melodrama que não tenha cara de melodrama (o que, em termos hollywoodianos, é sinônimo de telefilme descartável). Susanne Bier conserva seus traços de estilo mais marcantes - câmera na mão, hiperclose nos olhos de seus protagonistas, planos-detalhes à procura de flagras do banal - ao mesmo tempo em que instrui seus colaboradores a evitar exageros. A boa música do argentino Gustavo Santaolalla (Brokeback Mountain) é sutil e o roteiro do estreante Allan Loeb não é um catálogo de chavões.

O roteiro, aliás, pode parecer com o de Brothers, mas os desenvolvimentos são completamente distintos. No longa dinamarquês uma reviravolta desdizia a premissa e tudo se dirigia para o confronto. Em Coisas que Perdemos pelo Caminho, uma inesperada mudança de tom no último terço do filme (mudança essa que não anula os dois terços anteriores, mas os completa) amplia a sensação de que aquela história de luto é, na verdade, uma história de desintoxicação do luto.

Bier tem olho para as pequenas epifanias que não se traduzem em palavras - a imagem da chuva sobre o vidro "lavando" os quadros na parede é inspirada - e consegue, mais uma vez, acompanhar de (muito) perto seu elenco e tirar dele o melhor. Sua debilidade está na montagem, no fluxo; em um momento de discussão entre Berry e Del Toro, o plano-contraplano dos dois na sala passa a outros dois closes no quarto (outra cena, outra discussão) sem qualquer plano de transição... É preciso saber se aproximar antes de colar a câmera nos corpos. Da safra recente de Bier, sempre acompanhada da montadora Pernille Bech Christensen, Coisas... se revela o mais truncado.

Ainda assim, assistir a um produto do cinemão dos EUA que tem genuína noção do tipo de cinema que pretende fazer já é um alento.

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