2023 vem sendo um ano e tanto para a diretora e roteirista Carol Markowicz. Além de ter seu trabalho reconhecido pelo diretor Walter Salles, em setembro a cineasta foi a primeira brasileira a receber um troféu no Tribute Awards durante o Festival de Toronto, sendo homenageada ao lado de nomes como Pedro Almodóvar e Spike Lee. Agora, nesta quinta-feira (30), ela lança Pedágio, seu novo longa-metragem que foi aclamado no cenário internacional e também na edição mais recente do Festival do Rio, de onde saiu com um total de 4 prêmios.
Ser uma diretora brasileira e ainda por cima abrir tantas portas no exterior definitivamente não é algo fácil. A paulistana já teve seus projetos exibidos em cerca de 300 festivais, como Cannes, Locarno e SXSW, já tendo conquistado mais de 80 prêmios. "Sempre tudo para as mulheres é mais difícil (em todas as profissões e em todos os lugares do mundo), isso para mim está sendo uma construção de muitos anos, não é uma coisa de uma hora para outra. Eu tenho uma carreira de curtas, que é algo que ajuda muito, tanto no sentido de aprender, como de entender a minha própria linguagem. Basicamente eu acho que faço as histórias de personagens que eu gosto de ver e de tentar compreender. A minha vontade de fazer esses filmes advém um pouco disso", conta a cineasta em entrevista ao Omelete -- que você escuta na íntegra no podcast abaixo:
Seus projetos contam com histórias originais, retratando com frequência personagens que estão à margem da sociedade. "A realidade tá uma loucura, né. Eu acho que a arte para mim vem muito nesse momento de querer compreender isso. Como é que está a nossa sensibilidade, nossos parâmetros para os absurdos? Para o verossímil? O humor eu acho que serve muito para isso, como ferramenta crítica, para ridicularizar também. As coisas estão em uma linha tênue entre o que poderia ser verdade e o que não poderia", pondera Carol.
Em 2022, a cineasta lançou Carvão, seu primeiro longa-metragem, e ouviu muitas perguntas sobre a veracidade da trama, sobre uma família que tem sua rotina transformada após aceitar hospedar um estranho: "Eu entendo essa pergunta perfeitamente, porque poderia ser algo real. Então eu acho que o ponto é esse: basicamente eu gosto de fazer esse cinema do absurdo, mas que poderia ser real. Algumas coisas são e outras não e a gente sempre fica nessa linha meio nebulosa do que é verossímil e do que não é".
Pedágio, seu novo longa-metragem, segue uma linha semelhante: ele conta a história de Suellen (Maeve Jinkings), uma cobradora de pedágio que percebe a oportunidade de usar o seu trabalho como forma de obter uma renda extra ilegalmente. O motivo? Pagar um tratamento caríssimo de "cura gay", ministrado por um pastor estrangeiro, para poder "tratar" seu filho. Markowicz é muito conhecida por realizar trabalhos com um tom de humor ácido, e com Pedágio não seria diferente. "Eu acho que em públicos mais conservadores talvez haja um estranhamento maior disso ser tratado com um certo humor ácido. 'Um assunto tão sério e violento, por que tratar com humor?' Gente, a existência de algo chamado 'cura gay' já é a coisa mais patética que pode existir. Colocar isso no lugar do patético me parece necessário. Como artista me pareceu necessário", relata a cineasta.
Cena do filme Pedágio
Cota de tela e novos projetos
Questionada sobre o atual momento do cinema brasileiro e as discussões em torno da cota de tela nos últimos meses, Marcowicz destaca que, nesse cenário de retomada aos cinemas no pós-pandemia, a pauta surge em um momento mais do que urgente: "Foi muito legal estar agora nos festivais, na Mostra, ver os cinemas lotados, isso deu um ânimo. A cota de tela é importantíssima, isso acontece em muitos países que valorizam a cultura como ela deve ser valorizada e é fundamental para que a gente tenha a formação de público para o nosso cinema. É muito importante que as pessoas voltem ao cinema principalmente para ver os nossos filmes, para ver a nossa cultura retratada na tela''.
Com Pedágio prestes a ser lançado, a cineasta já se dedica também a dois novos projetos. Um deles vai ser realizado com uma produtora audiovisual dos Estados Unidos e o segundo, no Brasil. "Eu acho que vai ser algo bem interessante, estou super animada para os dois. O projeto brasileiro é uma sátira sobre uma família rica de São Paulo, isso eu posso adiantar. Eu estou animada, mas ainda estou nesse começo de processo", conclui a diretora. Ambos os projetos seguem sem data de estreia definida.