Filmes

Crítica

Ela Volta na Quinta | Crítica

Uma busca dividida em família

23.02.2016, às 15H26.

Uma impessoalidade dá o tom de início em Ela Volta na Quinta (2014). Uma senhora na sala de casa, no contraluz da janela, tapa o rosto com a mão e desmaia; fica difícil identificá-la. Seu marido, funcionário de uma assistência técnica, se cerca de frieza de dia, com suas peças e seus prazos; à noite o casal desaparece no escuro do quarto. Os filhos adultos vêm visitá-los, ficam assistindo a montagens engraçadas no YouTube.

None

Sem necessariamente transformar isso num tema, o primeiro longa do ator e diretor André Novais Oliveira (que aqui coloca sua família para interpretar papéis "cuja semelhança com a realidade é só mera coincidência", dizem os créditos finais) examina como a rotina e nossa relação automatizada com os outros e com o mundo anestesiam nossos sentidos. Impessoalidade, privacidade e introspecção se confundem em Ela Volta na Quinta, até que comece de fato a trama sobre o casal que está se separando depois de décadas de casamento.

À medida em que a câmera de Novais vai deixando o ambiente doméstico e ganhando a rua, e transformando a rua num espaço não apenas de trânsito mas de convivência para esses personagens, então seus dramas se desvelam para nós, como se a família de Novais adquirisse, pela necessidade de se entender, uma consciência de estar no mundo. É um processo de melancolia - embalado por uma trilha com direito a trompete e surdina, como se estivéssemos de novo com Bernard Herrmann em Taxi Driver tentando encontrar uma razão de ser no tráfego da cidade - mas também de certa beleza, de descoberta.

Assim como outros filmes brasileiros que vieram na esteira de Cão sem Dono (2007) - uma das principais referências não assumidas do cinema nacional hoje no trato do espaço público como um local de reflexão e resolução de nossos dramas de convivência privados - Ela Volta na Quinta não parte de uma posição politizadora. Antes de ver a rua como terreno de conflitos ou de apaziguamentos, Novais faz o flanar urbano, sentado com a câmera no banco do carona enquanto seu pai dirige, como parte de uma busca tensa, constante e bastante decidida, ainda que seja uma busca sem nome ou aparente finalidade.

E de repente os irmãos que riam no YouTube passam a discutir paternidade, moradia, e os pais que pareciam só preocupados com o trabalho doméstico e fora de casa também percebem sua relação se transformar. Já há algum tempo o exílio, elemento central nos filmes da Retomada, deixou de ser uma opção do cinema nacional capaz de dar conta dos nossos dramas, e o próprio título do filme sugere que é hora de as coisas se resolverem no aqui e no agora, embora os deslocamentos frequentemente assumam características de fuga.

Novais propõe com seu longa uma dramaturgia que parte da intimidade, do caseiro, do secreto (às vezes até do vergonhoso), e se resolve socialmente, na alteridade, sem escândalos. Não é pouca coisa. E esse caminho pra fora talvez seja, como canta Paulinho da Viola em "Nada de Novo" - num dos momentos de catarse possível de Ela Volta na Quinta -, algo capaz de despertar a alegria, apesar da tristeza no peito.

Nota do Crítico
Ótimo

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.