Na loucura de universos compartilhados que tomou o cinema após o sucesso da Marvel, o gênero de terror não deu tanta sorte assim. A Universal Pictures até tentou fazer algo chamado "Dark Universe" mas desistiu assim que viu o fracasso comercial de A Múmia. No cenário atual só existe uma franquia que consegue sair ilesa disso: Invocação do Mal.
A série, iniciada por James Wan em 2013, tem uma abordagem procedural que é feita sob medida para um universo expandido: nos filmes principais, o casal Ed (Patrick Wilson) e Lorraine Warren (Vera Farmiga) encontra e enfrenta diversos demônios, que são explorados com maiores detalhes em filmes solo. Foi assim com a boneca Annabelle e é o caso de A Freira, que coloca os holofotes na assombração demoníaca Valak.
Comandanda por Corin Hardy (A Maldição da Floresta), a trama volta 20 anos na cronologia da franquia, durante a década de 1950, e mostra o entregador Frenchie (Jonas Bloquet) se deparando com uma freira enforcada em um velho convento. Ele informa à igreja, que envia o padre Burke (Demián Bichir) e a noviça Irene (Taissa Farmiga) em uma missão para avaliar se o local ainda é sagrado. Não demora muito para o trio perceber que é justamente o contrário.
Se o propósito era aprofundar e desenvolver a figura mostrada em Invocação do Mal 2, o longa deixa a desejar. O roteiro é batido e repete o que já foi apresentado nos demais capítulos da série: o demônio é apresentado, seus ataques se agravam até o ponto que os protagonistas são levados ao combate. Enquanto isso dá pernas para que A Freira possa ser assistido independentemente, ofusca a ideia de que é uma história de origem, já que objetivamente não apresenta nada de inédito sobre o antagonista.
A repetição narrativa é o aspecto mais decepcionante do filme pois limita drasticamente as novidades. Não só em termos de mitologia, mas as criaturas e as investidas de Valak são pouco variadas. Em muitos pontos, parece uma reprodução estrutural de Invocação 2 em um novo contexto. Felizmente, a mudança de cenários impede que isso se concretize e adiciona um gosto diferente à aventura.
A mudança de cenário é o ponto mais forte. O castelo da Romênia traz um ar de terror clássico, que a direção trabalha bem através do uso de luz e sombras para desconcertar o espectador. Não é de todo perfeito: ocasionalmente há exagero ao ponto da escuridão das cenas atrapalhar a ação. Quando funciona, esse chiaroscuro cria belíssimos planos que realçam a imponência dos cenários ou a ameaça dos antagonistas. Ajuda que a fotografia também investe em alguns tons de azul e vermelho para iluminar os cenários - algo que o diretor já admitiu ter se inspirado nos horripilantes castelos dos games Castlevania.
Visualmente, A Freira é o melhor da franquia. O filme não só surpreende nas composições como também usa e abusa de profanar a temática religiosa: cruzes invertidas e em chamas, pentagramas e possessões são frequentes e impactantes. É nos aspectos em que demonstra estar confiante de suas habilidades que o longa brilha: além do já citado visual simples e poderoso, também há um bom controle da tensão. Mesmo sem abandonar os já-clichês jumpscares-de-barulho-alto, os sustos não são tão gratuítos como nos dois Annabelle, por exemplo: há toda uma construção com silêncio e claustrofobia, mas que brinca com as expectativas do público ao segurar as surpresas até o último minuto.
Em uma certa cena, por exemplo, o padre Burke está enterrado e bate na tampa do caixão pedindo ajuda, o que faz com que Irene parta ao resgate e comece a desenterrá-lo. A sequência - com um susto já estragado pelos trailers, infelizmente - contrasta o sufoco do homem com a tarefa da garota antes de apresentar um ataque físico de Valak. O resultado é agonia genuína no espectador durante toda a ação, e não só um estrondo momentâneo pensado para causar pulos.
Os vários acertos de A Freira demonstram como o universo compartilhado de Invocação do Mal tem potencial, entregando uma experiência com gostinho familiar, mas nova o bastante para prender a atenção. É uma história de terror clássica, reinterpretada pela perspectiva do horror moderno. Se não sofresse de um roteiro tão preguiçoso, batido e limitado, o longa poderia bater de frente com os principais de sua franquia por sua forte identidade. Como não foi o caso, que esses erros sirvam como aviso de que a experimentação e confiança nos idealizadores do projeto - mesmo que este esteja dentro de propriedades já estabelecidas - só pode resultar em coisas boas.
Ano: 2018
País: EUA
Classificação: 14 anos
Duração: 96 min