A Jornada de Vivo equilibra história mal desenvolvida e visuais espetaculares

Créditos da imagem: Netflix/Divulgação

Filmes

Crítica

A Jornada de Vivo equilibra história mal desenvolvida e visuais espetaculares

Animação musical da Netflix sobrecarrega e prejudica faixas competentes de Lin-Manuel Miranda

10.08.2021, às 20H04.
Atualizada em 10.08.2021, ÀS 21H48

A Jornada de Vivo é uma animação em CGI claramente direcionada às crianças que usa de um caprichado trabalho gráfico para visitar, mas sem se estender muito nessa estadia, Cuba e a cultura cubana radicada nos Estados Unidos. Adotando o gênero da comédia musical, o filme lança mão dos talentos de Lin-Manuel Miranda (Hamilton) para tentar encantar os pequenos com letras elaboradas e melodias complexas, mas é na variação entre cenários e personagens em 3D e 2D, bem como em algumas sequências de ação criativas, que ele realmente funciona. O problema é que esses momentos compõem não muito mais que a metade dos exagerados 103 minutos de uma história subdesenvolvida, que se apoia mais do que deveria nas letras cantadas para se sustentar minimamente.

Lin-Manuel Miranda entende como poucos a estrutura do teatro musical. Adepto da verborragia em letras repletas de aliterações e do encontro do rap com outros gêneros em composições dançantes, ele costuma ilustrar muito bem os conflitos internos dos personagens em grandes monólogos cantados, que expõem indecorosamente desejos, frustrações e contradições. É a fórmula que ajudou Hamilton a se tornar um marco maior na cultura pop moderna e que permitiu que Moana virasse a principal alternativa à trilha sonora de Frozen na casa de muita gente. Em Vivo, entretanto, ela falha. Sobrecarregada e fugindo da simplicidade que fez com que “Saber Quem Sou” ou “De Nada” fossem cantadas pelos fãs pequeninos já ao final do filme da Disney, ela agora entrega faixas longas e explicativas demais. São tecnicamente louváveis, mas tediosas.

O resultado acaba sendo uma dissonância entre narrativa em melodia, que parece exigir a atenção de um público mais maduro, e em prosa, que insiste em conveniências e resoluções perdoáveis só em tramas muito infantis (consigo me lembrar de episódios de Save-Ums ou Backyardigans com mais tensão no desfecho de conflitos). É um desperdício, já que Vivo abre de forma encantadora, apresentando uma premissa delicada que versa sobre a vida em muitos de seus mais agudos ângulos: o amor, a memória, o tempo e a morte.

É que Vivo (Lin-Manuel Miranda) é o nome de um jupará que dança (fala e canta também, mas o filme estabelece que só nós e outros animais o entendemos) e faz sucesso em parceria com o músico de rua veterano Andrés Hernández (Juan de Marcos González). Vivendo um sonho em Cuba, ele vê seu mundo ruir quando uma carta da grande estrela da música cubana Marta Sandoval (Gloria Estefan), amor da vida de Andrés, chega e o convida a apresentar-se ao lado dela em um palco de Miami: depois de preparar a mala e guardar com carinho a música-declaração que o artista há anos guardava para entregar à sua antiga paixão, o idoso morre, deixando nas mãos do pequeno macaco a missão de levá-la aos Estados Unidos.

O desafio de cruzar o mar é facilitado pela introdução de Gabi (Ynairaly Simon), sobrinha-neta de Andrés que mora com sua mãe, Rosa (Zoë Saldana), na Flórida. A relação entre o macaco e a menina, portanto, se anuncia como o centro da trama, daí para frente. Só que a direção de Kirk DeMicco (Os Croods) e o roteiro escrito a seis mãos por ele, Peter Barsocchini (High School Musical) e Quiara Alegría Hudes (Em Um Bairro em Nova York) carecem de foco para cumprir a promessa.

Uma enxurrada de elementos desnecessários insiste em tomar tempo que deveria ser dedicado ao estreitamento dos laços entre os protagonistas. Pior: no geral, são conflitos que não levam a nada, como a rivalidade entre um grupo de escoteiras e Gabi, que se resolve sem grandes rodeios no momento em que a história pede uma aliança para justificar a resolução de outro conflito desnecessário. Com tanto tempo gasto em frivolidades, mais uma vez são as músicas de Miranda que devem compensar essas falhas, o que, mais uma vez, as sobrecarrega. Em meio a esses problemas, as escalações inspiradas de Michael Rooker (O Esquadrão Suicida) como uma sinistra cobra piton e de Brian Tyree Henry e Nicole Byer como um casal divertido de flamingos apaixonados, conseguem render momentos de espetáculo e imersão. São esses respiros que vêm ao resgate da atenção dos pequenos e servem para acordar os pais que os acompanharem nessa jornada.

O design divertido de personagens e cenários também garante uma dinâmica visual rica e estimulante, além de ocasionalmente viabilizar boas piadas visuais, configurando o atrativo mais forte que A Jornada de Vivo tem a oferecer. Nada disso, entretanto, consegue eclipsar o problema maior do filme: o contentamento com a medriocridade narrativa. No papel, é uma história que poderia almejar tocar ombros com grandes animações que entregam entretenimento igualmente rico para espectadores de todas as idades, como Up - Altas Aventuras (2009), Viva - A Vida É Uma Festa (2017) e Festa no Céu (2014). Na prática, entretanto, a experiência entregue está mais próxima de uma comparação com Rio (2011). Só que mais musical e menos divertido.

Nota do Crítico
Regular
A Jornada de Vivo
Vivo
A Jornada de Vivo
Vivo

Ano: 2021

País: Estados Unidos

Classificação: LIVRE

Duração: 103 minutos min

Direção: Kirk DeMicco

Roteiro: Quiara Alegría Hudes, Kirk DeMicco, Peter Barsocchini

Elenco: Lin-Manuel Miranda, Zoe Saldana

Onde assistir:
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