Em uma determinada cena de A Menina que Matou os Pais: A Confissão, Suzane (Carla Diaz) e Daniel (Leonardo Bittencourt), cientes de que estão sob investigação pelo assassinato de Manfred e Marísia von Richthofen, tentam despistar os policiais com uma ligação encenada. Ao telefone, Suzane, consciente de que sua conversa estava sendo grampeada, começa a inventar uma série de situações para incriminar a empregada doméstica. Com uma doçura e ingenuidade que remetem à época em que Carla Diaz atuava em Chiquititas, Suzane diz: "Muito, muito estranho, né, Dan?". Essa pequena encenação da dupla, com falas pausadas de modo teatral, se encaixa perfeitamente no filme; conscientemente ou não, é com esse tom jocoso que A Confissão se desenrola.
O novo longa entra para preencher a lacuna que os dois outros filmes de 2021 não abordaram, os bastidores da investigação que incriminou o casal de namorados e Cristian Cravinhos (Allan Souza Lima), irmão de Daniel. A narrativa ganha ainda mais um ar de um true crime com a inserção da equipe policial responsável pelo caso, encabeçada pela Delegada Helena (Bárbara Colen). Como nesses suspenses policiais que se popularizaram no streaming, o roteiro vai ligando ponto a ponto da forma mais didática possível, com diálogos expositivos servindo à morbidez de desencavar os pormenores forenses da investigação. Momentos após Suzane passar pelo inquérito policial, por exemplo, a delegada sai da sala e comenta: "Tem alguma coisa estranha nessa garota" – e por que não dizer em voz alta, não é mesmo?
Apesar de se concentrar na investigação como tema central, o filme de Mauricio Eça não parece muito interessado em mergulhar de fato na frieza dessa reconstituição. Das facilidades a que o filme cede, a principal é teatralizar de fato o macabro da situação toda, especialmente na recriação de alguns dos momentos midiáticos icônicos que sucederam o crime, como o enterro do casal, episódio famoso pelo look tipicamente anos 2000 de Suzane, calça de cintura baixa e blusa preta com a barriga de fora – visual que estampou todas as revistas e jornais da época.
A investigação fica na superfície dessa reconstituição ora sensacionalista ora anedótica, e o terceiro longa não acrescenta muito ao estudo de personagem. Não se trataria de romantizar ou demonizar os criminosos, mas de tentar explorá-los mais profundamente de maneira coesa. Ora, Suzane aparece quase diabólica, vociferando contra Cristian e com feições medonhas. Momentos depois, a jovem ganha uma montagem de dor e sofrimento, com flashes, câmera tremida e um jogo de cores que lembra um daqueles comerciais antidrogas da MTV dos anos 2000. Não fica claro se é uma tentativa de humanizá-la, porque o roteiro não tem respiro o suficiente para explorar o fluxo de consciência dos personagens. O mesmo acontece com Daniel, que ganha uma sequência similar, mas um pouco menos caricata. Pelo menos, a atuação de Leonardo Bittencourt consegue transmitir sua parcela de culpa no crime de maneira convincente. Por outro lado, a atuação de Carla Diaz faz de Suzane quase uma Norma Desmond da classe alta paulistana, feita de olhar vazio e delírios de grandeza.
No gênero true crime, e com grande parte da audiência já familiarizada com os detalhes que levaram o trio à prisão, o filme perde a chance de explorar mais a fundo a investigação e os pontos específicos do inquérito que levantaram suspeitas entre os policiais. Surpreendentemente, a tão esperada confissão, que deveria ser o clímax do filme, é quase espremida nos momentos finais. Seria mais sensato incluir A Confissão como um segmento separado nos dois primeiros filmes. Com três longas sobre o assassinato dos Richthofen, talvez seja a hora de reconhecer que essa narrativa só se mantém por seu valor de morbidez.
Ano: 2023
País: Brasil
Duração: 98 min
Direção: Mauricio Eça
Roteiro: Raphael Montes, Ilana Casoy
Elenco: Leonardo Bittencourt, Allan Souza Lima, Carla Diaz