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Quando se fala em trilogia, imediatamente pensamos em seqüências que se completam dentro de uma ordem lógica, linear. Felizmente, não é nisso que pensa o cineasta belga Lucas Belvaux.
O diretor criou em 2002, nos filmes Em fuga (Cavale), Um casal admirável (Un couple épatant) e Acordo quebrado (Apres La Vie), uma das mais interessantes experiências cinematográficas dos últimos anos. Diferente de trilogias como O poderoso chefão, Star Wars ou O senhor dos anéis, os três filmes de Belvaux acontecem ao mesmo tempo, com as mesmas personagens e histórias diferentes, mas que se cruzam em pontos diversos, numa intrincada trança de situações. O mais curioso, no entanto, é a mudança de gênero. O primeiro é um suspense, o segundo uma comédia e o último um melodrama!
Os três têm começo, meio e fim e podem ser assistidos indepententemente ou juntos em qualquer ordem. Cada filme contém informações sobre os outros, enriquecendo a trama geral e formando uma espécie de quebra-cabeça no qual personagens coadjuvantes de uns tornam-se protagonistas do outro e vice-versa.
Em fuga é um suspense sobre um terrorista que escapa da prisão após 15 anos de detenção. Desejando vingança, Bruno (vivido pelo próprio Belvaux), recupera depósitos secretos de armas, retoma planos de ataque e busca seus antigos companheiros, como Jeanne (Catherine Frot). Mas seus planos não saem como esperados. Perseguido incansavelmente pela polícia, Bruno precisa encontrar uma maneira de encarar o homem que o colocou atrás das grades ao mesmo tempo em que se depara com uma amarga realidade. O mundo mudou.
Do suspense para uma atrapalhada comédia de erros. Um casal admirável começa quando Alain Costes (François Morel) descobre que precisa fazer uma pequena cirurgia. Sem querer deixar a esposa preocupada, ele começa a agir secretamente, tramando com seu médico para que ela não descubra. O problema é que Cecile (Ornella Muti) começa a desconfiar do estranho comportamento do marido. Não demora para que ela chegue à conclusão que ele tem uma amante e coloque em ação um plano para desmascará-lo.
Pra completar a trinca, um melodrama sobre um casamento decadente. Agnes (Dominique Blanc) é uma professora com um sério problema de dependência química. Viciada em morfina, ela depende do suprimento do marido, o policial Pascal (Gilbert Melki) para suprir o vício, já que ele faz acordos com a máfia para protegê-la de tal contato. Mas o homem enfrenta seus próprios problemas ao ser designado para localizar o terrorista fugitivo Bruno, que o acaso colocará também no caminho de Agnes.
Filmados de uma só vez ao longo de um semestre, os três longas foram entregues a montadores diferentes, o que dá a identidade de cada um. Se a mesma cena aparece nos três filmes ela foi rodada três vezes por Belvaux. Permanecem os personagens, o texto e a estética, mudam os ângulos e ritmo. É como se o cineasta sugerisse que a diferença entre a tristeza e o riso é mera questão de ponto-de-vista (ou, no caso, posicionamento de câmera).
O resultado é fascinante e dá margem a discussões saborosas. Uma cena na qual uma festa de aniversário acontece, por exemplo, é emblemática. Ela reúne personagens das três histórias - cada um com seus problemas e ignorantes dos fardos dos demais, mas juntos ali, naquele pequeno momento de descontração, no qual é possível esquecer e celebrar. Trata-se de uma honestíssima representação da vida real, onde situações como essa acontecem a todo instante. Você é o protagonista de sua vida, mas não deve esquecer que os coadjuvantes também têm tramas próprias, tão importantes quanto a sua.
Um projeto inovador que traz um sopro de novidade a uma linguagem cada vez mais ancorada na mesmice.
Ano: 2002
País: França, Bélgica
Classificação: 14 anos
Duração: 124 min
