Logo no início de A Vida Depois, a personagem de Jenna Ortega, Vada, conversa com sua irmã mais nova sobre sua primeira menstruação. É um diálogo curto, sem grandes floreios, que acontece pelo telefone, com a mais velha tirando sarro da inexperiência da menor. Não foi preciso nem chegar ao grande acontecimento de seu filme que a diretora estreante Megan Park já demonstrou uma habilidade graciosa de transmitir os sentimentos mais corriqueiros. Pouco depois, Vada entra no banheiro de seu colégio e o que parecia ser um dia comum se transforma com um único som.
Tiroteios escolares não são nenhuma novidade nos Estados Unidos, e A Vida Depois não tenta retratá-los deste modo. Na realidade, sua força está em enxergá-los de modo totalmente oposto. Focando no câncer na sociedade americana em seu infinito loop de ocorrências, Park não faz do tiroteio um acontecimento extraordinário. Ele acontece do lado de fora do banheiro, enquanto acompanhamos o sufoco de Vada e uma colega que se escondem em uma cabine do lado de dentro. É uma escolha perfeita para o propósito do longa - tratar o crime como algo que se tornou corriqueiro, mas não por isso menos traumático.
E é com a mesma habilidade que retrata uma ligação entre duas irmãs que Park investe todo o trauma de Vada. Ele não é claro, não é grandioso, ou chamativo. Na realidade, grande parte de A Vida Depois foca na absoluta confusão do que se passa na cabeça de Vada, uma garota cheia de sentimentos, incapaz de nomeá-los para não se permitir sentir cada um. O estresse pós-traumático de Vada, uma infecção que se espalha lentamente, revela como o acontecimento se desenvolve e afeta cada uma de suas relações e escolhas. Enquanto se autorrotula quase como entorpecida, a jornada de Vada para sentir qualquer coisa segue os passos clássicos, mas tem energia de genuinidade, e não de repetição.
Apesar de grande parte do filme focar na relação entre Vada e Mia (Maddie Ziegler) - a garota que também se escondeu no banheiro - A Vida Depois é um filme de Jenna Ortega. A relação das duas é muito bem construída, desenvolvida como inevitável, como parceiras em trauma. Mas é Ortega quem entrega o brilho completo para o trabalho de Park, não tanto pela sua performance muito bem trabalhada, mas porque a nova estrela de Hollywood tem uma força no olhar, um magnetismo em sua atuação, que transforma o singelo filme de Park em algo potente. É um deleite ver Ortega flutuar pelas emoções de Vada, tanto em seus momentos mais pesados quanto mais juvenis, e neste sentido o resultado vem não só da atriz, mas de uma personagem adolescente que fala a sua língua, e nunca cai em armadilhas clichês.
Porque estamos cercados de uma produção perfeitamente consciente do que pretende ser, não há idealização da adolescência ou dos laços que se formam a partir do trauma. As interações entre Mia e Vada - recheadas de falas interrompidas e vozes cortadas - nunca transparecem quão inusitada é essa amizade entre duas garotas aparentemente opostas. Mas entre as relações que Park constrói nada é mais poderoso do que os efeitos da derrocada de Vada em sua irmã, deixada de escanteio em uma casa cujos olhares se voltaram para a adolescente.
O desenvolvimento a partir do trauma, que caminha do luto ao autodescobrimento e à recuperação, não poderia ter outro fim senão o desfecho sufocante dado por Park. Embalado pela trilha sonora capaz de Finneas O’Connell (que complementa a energia de hype adolescente que permeia toda A Vida Depois), a produção reflete um desejo irrealizável de seguir em frente, o mesmo anseio de gerações de adolescentes assombrados por um mesmo ciclo.
A Vida Depois
The Fallout
Direção: Megan Park
Roteiro: Megan Park
Elenco: Jenna Ortega , Maddie Ziegler
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