O filme de máfia como reminiscência de uma via-crúcis pessoal é o mais latente legado que Martin Scorsese e Francis Ford Coppola, dois cineastas de formação católica, deram a esse gênero. Robert De Niro acaba se tornando o rosto dessa jornada de penitência a partir do momento em que personifica as reminiscências - seja nos flashbacks de Vito Corleone jovem em O Poderoso Chefão 2, seja nas várias narrativas crítico-nostálgicas de Scorsese.
The Alto Knights: Máfia e Poder (2025) serve como elegia dessa jornada. O filme dirigido por Barry Levinson, que já vai para a sua quinta parceria com De Niro, coloca o ator octogenário para viver dois personagens separados pela vida: Frank Costello e Vito Genovese, pivôs da história da máfia ítalo-americana no século XX. Costello foi o mafioso diplomático com bom trânsito na política; Genovese, que precisou deixar seu império incipiente para o amigo Costello nos anos da Segunda Guerra, foi o típico gângster beligerante sempre com contas a acertar.
Levinson já havia colocado Costello e Genovese em cena quando filmou Bugsy em 1991. Por sua vez, o roteirista de Alto Knights, Nicholas Pileggi, já havia contribuído para a mítica de De Niro ao escrever os livros e adaptar para Scorsese tanto Os Bons Companheiros (1990) quanto Cassino (1995). É um território conhecido, portanto, esse que o CEO da Warner, David Zaslav, pessoalmente convida e autoriza os realizadores a revisitar - plenamente consciente das glórias passadas que automaticamente emprestam a este The Alto Knights um prestígio e um momentum que a produção do dia-a-dia hollywoodiana tem tido dificuldade em evocar.
Para o espectador que busca as validações das “histórias reais”, o filme tem o didatismo típico de um true crime, na forma como assinala cada virada no desacerto entre Costello e Genovese, que acaba se tornando uma violenta disputa aberta que terminaria expondo publicamente toda a organização das famiglias mafiosas dos EUA. Não dá pra ficar mais didático do que colocar De Niro para olhar para a câmera (ou para uma cartela com seus diálogos…) enquanto passa slides no “projetor que ganhei da minha esposa”, explica Costello na narrativa reminiscente. As fotografias em preto-e-branco com as cenas dos crimes da máfia, enfileiradas mecanicamente no apertar do botão do projetor, são o alfabeto do true crime por excelência.
Nesse sentido, Levinson reafirma sua vocação para ser um diretor que encena textos interessantes com absoluto desinteresse. Pileggi contribui com um roteiro que curiosamente dá às mulheres um lugar de destaque que o filme de máfia renega, particularmente na maneira como cria a figura de Costello em sintonia com sua esposa Bobbie (Debra Messing). A idade chega, e com ela o apelo sentimental... Os desdobramentos afetivos dessa decisão são invulgares e olhar o filme por esse ângulo joga uma luz nova sobre o gênero e suas figuras. De resto, a narração em off toma sempre a dianteira em relação à ação, e ao espectador cabe então aproveitar a privilegiada posição de observar e julgar à distância a via-crúcis de Costello. Na mão de outro cineasta da evocação e do afeto, como o finado Curtis Hanson, talvez The Alto Knights honrasse de fato a expectativa que se cria em torno do projeto, com vigor ou alguma urgência.
Não há muita urgência em The Alto Knights enquanto elegia. De Niro oferece ao espectador duas atuações curiosas que contrastam não pelo atrito que geram entre si, mas por repassar tipos opostos já consagrados do ator, absolutamente familiares para nós e ambos cimentados pelo tempo: a atuação furiosa como Genovese, relembrando o Capone de Os Intocáveis (1987), e a atuação sonsa como Costello, assinalando o De Niro da sua bonachona fase tardia. Enquanto narrador e sujeito da via-crúcis, Frank Costello não parece sofrer tanto assim essa penitência - afinal ele está na verdade repassando em texto a carreira de De Niro e essa homenagem não permite o contraditório.
The Alto Knights reivindica para si um olhar atualizado sobre o passado hollywoodiano, que fosse capaz de lhe devolver o momento, mas o que Levinson realiza está mais próximo de uma obra com a sina de seu próprio tempo: um típico filme das franquias de nostalgia, como Jurassic World ou Star Wars, incapaz de lidar de frente com sua própria história e recontá-la de outra forma que não seja na voz passiva.
Ano: 2025
País: EUA
Classificação: 16 anos
Duração: 120 min
Direção: Barry Levinson
Roteiro: Nicholas Pileggi
Elenco: Robert De Niro, Kathrine Narducci, Michael Rispoli, Cosmo Jarvis, Debra Messing