Richard Linklater continua sua mitologia do comum em Apollo 10 e Meio

Créditos da imagem: Cena de Apollo 10 e Meio: Aventura na Era Espacial (Reprodução)

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Richard Linklater continua sua mitologia do comum em Apollo 10 e Meio

Como em Boyhood, diretor procura ressonância e significado no corriqueiro

Omelete
4 min de leitura
01.04.2022, às 16H13.
Atualizada em 01.04.2022, ÀS 16H25

Por toda a aclamação que Boyhood: Da Infância a Juventude recebeu em 2014, quando foi lançado, uma das cenas mais importantes do filme de Richard Linklater talvez não tenha sido discutida o bastante por jornalistas e fãs. Ela acontece quando Mason Jr. (Ellar Coltrane) pergunta ao seu pai (Ethan Hawke), após ler um livro de fantasia, se existe magia de verdade no mundo. O que te faz pensar que um elfo é mais mágico do que algo como uma baleia, por exemplo?”, responde Mason pai, listando todos os motivos pelos quais a criatura marinha poderia ser considerada extraordinária.

É claro que Mason Jr. não fica impressionado com a retórica do pai, e Stan (Milo Coy), o protagonista de Apollo 10 e Meio: Aventura na Era Espacial, tampouco ficaria. Mesmo assim, é notável como o novo filme de Linklater, lançado pela Netflix, herda de Boyhood a dedicação ferrenha a criar uma mitologia do comum, do corriqueiro, da experiência humana mais ordinária possível. Como o personagem de Ethan Hawke, Linklater quer nos convencer que nossas vidas são épicas, mágicas, consequentes - mesmo, e especialmente, quando não são nada disso.

É claro que Boyhood e Apollo 10 e Meio usam métodos diferentes para cumprir essa missão. Sai de cena o realismo à flor da pele de um drama filmado na mesma quantidade de anos que dura sua trama, entra a hiperestilização permitida pela técnica conhecida como rotoscopia, em que animadores desenham em cima de cenas gravadas em live-action. O próprio Linklater já usou o método antes, em Waking Life e O Homem Duplo, mas em ambas as vezes fez isso para ressaltar a irrealidade essencial dos mundos que estava construindo. Aqui, curiosamente, o efeito é o contrário.

Apollo 10 e Meio é a história do jovem Stan durante os anos de 1968 e 1969, em Houston (EUA), pertinho da base da NASA de onde a missão Apollo 11 decolaria, nesse mesmo período, para levar os primeiros homens à Lua. Por causa de um erro de cálculo, no entanto, a agência espacial americana constrói uma cápsula pequena demais para um homem adulto, e recruta Stan para realizar uma missão teste secreta, batizada (é claro) de Apollo 10 e Meio. Quer dizer, pode ser que tudo isso esteja na cabeça do protagonista, mas não importa muito na prática, porque é exclusivamente o ponto de vista dele que nos é mostrado.

Apesar dessa premissa inicial de construir uma espécie de história alternativa da exploração espacial, o filme na verdade passa mais de metade de sua metragem (modestos 98 minutos) em uma viagem meio nostálgica, meio revelatória, pelo modo de vida americano médio durante o período que retrata. Na narração em off charmosa de Jack Black, um Stan adulto nos conta como eram seus dias na Houston sessentista, explicando saudosamente a mecânica da sua família numerosa e listando marcadores culturais que definiram sua infância (séries de TV, filmes, bandas, jogos de tabuleiro), mas também articulando os grandes embates políticos e angústias da época sob um ponto de vista juvenil.

Linklater, ele mesmo natural de Houston e nascido no ano de 1960, faz tudo isso com óbvio carinho. O cineasta que teve sua ascensão à fama ao fazer crônica de uma geração de texanos sem propósito ou motivação política em Slacker e Jovens, Loucos e Rebeldes não é o homem que você quer chamar quando está procurando por uma análise mais profunda das feridas e toxicidades do modo de vida americano. Em seu passeio iconográfico pelos anos 60, ele está muito mais interessado em entender o que esses desvios históricos (a guerra do Vietnã, o movimento contracultural) significam para a experiência universal de amadurecimento pela qual seu protagonista passa.

É aí, acredito, que o estilo de animação único do filme funciona para tornar Apollo 10 e Meio mais cortante, mais autêntico, e infinitamente mais interessante. Por causa da rotoscopia, Linklater é capaz de conjurar a visão difusa da infância, e nos colocar em uma frequência na qual é mais fácil de aceitar que tragédias globais imensuráveis e movimentos culturais que mudaram o eixo da nossa sociedade sejam reduzidos a barulho de fundo diante da dinâmica familiar de Stan, das brincadeiras de seu grupo de amigos, da forma como sua sexualidade e sua masculinidade se desenvolvem.

Todas essas coisas se convertem mais reais, e não mais irreais, através da técnica escolhida pelo diretor. Note como Apollo 10 e Meio usa traços só sutilmente diferentes para os momentos em que, dentro da história, estamos olhando para uma televisão, uma foto ou uma ilustração; ou para como o filme se pendura em cada expressão e detalhe cosmético da mãe de Stan (uma Lee Eddy brilhante, mesmo por baixo da animação), efetivamente a endeusando em tela. Aquela coisa da mitologia de novo… o humano, o ordinário, como objeto de fantasia dentro da narrativa.

É verdade que Apollo 10 e Meio não tem o tempo ou a dimensão de Boyhood para transformar cada um dos detalhes da vida de Stan em uma estrofe de um poema épico cujas rimas podem voltar lá na frente, quando você menos esperar. Este é um Linklater menor, em todos os sentidos, mas ainda é um Linklater - e é sempre uma experiência transportadora assisti-lo.

Nota do Crítico
Ótimo
Apollo 10 e Meio: Aventura na Era Espacial
Apollo 10 1/2: A Space Age Adventure
Apollo 10 e Meio: Aventura na Era Espacial
Apollo 10 1/2: A Space Age Adventure

Ano: 2022

País: EUA

Duração: 98 min

Direção: Richard Linklater

Roteiro: Richard Linklater

Elenco: Jack Black, Lee Eddy, Milo Coy, Zachary Levi, Glen Powell

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