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Crítica

Aquaman 2 escolhe a ironia e a correria para reduzir seus riscos

Continuação do filme de 2018 encerra uma fase da DC no cinema jogando na retranca

Omelete
4 min de leitura
21.12.2023, às 15H58.
Atualizada em 22.12.2023, ÀS 13H35

O fato de Aquaman 2 - O Reino Perdido ter sido produzido em meio às mudanças de gerência na Warner/DC não impede que a continuação do longa de 2018 seja um exemplo consumado de filme de comitê. Na verdade, a multiplicação de gente que apita e palpita nos bastidores tende a reduzir, até por uma questão matemática, as escolhas de um blockbuster desses ao seu mínimo denominador comum.

Isso fica claro nos primeiros minutos, quando a tradicional cena de ação inicial é interrompida antes mesmo de engrenar, para que Jason Momoa explique em montage e voiceover quem é o super-herói que fala com os peixes, quem são seus aliados, em que pé estão as coisas na sua cronologia. Na era do consumo irônico e da fadiga do gênero dos super-heróis, esse cuidado em reintroduzir personagens e premissas com o máximo didatismo chega a ser comovente.

Não se trata tanto, porém, de chegar ao espectador com zelo, mas mais de reposicionar a franquia num mercado que o MCU dominou, o do entretenimento para a família, e para tanto Arthur Curry não apenas se torna pai como todas as suas preocupações na trama envolvem o tema dos laços de sangue. Neste segundo filme, Jason Momoa parece mais deslocado na função de bom moço - sua relação com o meio-irmão Orm tira sofridas lágrimas de Aquaman - e o efeito imediato disso é que o ator não consegue sair de uma chave irônica de interpretação. (Ainda é preciso um Vin Diesel ou um The Rock para fazer um filme-família de brucutu sem cinismo.)

Mesmo a ironia em Aquaman 2, porém, parece oscilar num alcance controlado pelo comitê. É a ironia de citar o desfecho de Homem de Ferro (2008), por exemplo, com a plena consciência de que o público não espera mais novidades desse meio além das autorreferências. O Reino Perdido não ousa enveredar por uma nostalgia sentimental como aquela de Homem-Aranha - Sem Volta pra Casa (2021) ou mesmo de The Flash (2023), porque isso envolveria uma dose maior de compromisso autoral; sua nostalgia já traz embutida a fadiga e por isso ela adota sem pudor o jogo seguro da autoironia.

O que o filme tem de mais interessante é essa leve tensão entre se entregar a um sentimentalismo “comoditizado” (que tenta emular o jeito Disney de narrar suas fábulas e tende a transformar toda a jornada numa lição moralizante redentora) e se entregar às autorreferências com um sorriso sarcástico no canto da boca. O diretor James Wan consegue conciliar apenas ocasionalmente as duas coisas, em elementos criativos que lhe parecem caros a uma certa memória afetiva e que devem passar abaixo do radar banalizante do comitê, como o design de produção e de som que emula soluções de scifi pulp (que sabor ouvir o barulhinho do canhão sônico com aquele cone com a bola vermelha luminosa na ponta).

De resto, as escolhas de Aquaman 2 são pensadas para diminuir seus riscos e potencializar seus ganhos, especialmente na hora de beber nas fontes mais lucrativas; para cada referência modesta que Wan traz dos filmes B dos anos 1950 há outras dez tentando canalizar a força lucrativa de Star Wars, O Senhor dos Anéis, Jurassic Park e Avatar. Aos roteiristas e montadores de O Reino Perdido resta apenas a missão de alinhar set pieces e cenas de ação num volume que não permita ao espectador questionar demais o que assiste, e na comparação com o primeiro Aquaman este certamente troca a fantasia e a leveza pela correria.

A escolha pelo frenesi não é um demérito em si e o filme faz a boa e velha pancadaria com o mínimo de inspiração, porque afinal Wan sabe como iluminar as cenas e colocar a câmera a serviço do impacto. Ainda assim é muito pouco diante das promessas que um diretor da sua estatura poderia almejar. Não é preciso ir muito longe para desabonar Aquaman 2 numa comparação de valor de entretenimento; o próprio Godzilla Minus One que está perdendo salas no circuito para a passagem do blockbuster da Warner é muito mais incisivo e recompensador no quesito ação em larga escala.

É mais recompensador, também, no drama e nos conflitos que oferece aos seus protagonistas. Já Aquaman 2 depende muito do carisma e da presença de espírito do seu trio principal para se manter de pé; Patrick Wilson, particularmente, eleva o filme quando entra em cena, com a ajuda de uma ou outra tirada bem escrita. Ainda assim, há muito o que lamentar. Quando Orm, em dado momento do clímax, sugere um lampejo de revanchismo, para logo em seguida seguir com seu novo bom mocismo simplificado, não se trata apenas de evitar a vilania - no fundo a questão é apagar qualquer traço de contradição desses personagens ou da narrativa como um todo. A contradição é o que nos torna humanos, mas está claro que o comitê que produz Aquaman 2 encara a contradição como mais um risco a ser evitado contra o seu investimento.

Nota do Crítico
Bom
Aquaman 2 - O Reino Perdido
Aquaman and the Lost Kingdom
Aquaman 2 - O Reino Perdido
Aquaman and the Lost Kingdom

Ano: 2023

País: EUA

Classificação: 12 anos

Duração: 124 min

Direção: James Wan

Roteiro: James Wan, David Leslie Johnson-McGoldrick

Elenco: Randall Park, Yahya Abdul-Mateen II, Patrick Wilson, Amber Heard, Jason Momoa

Onde assistir:
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