O filme Arca Russa (Russki Kovtcheg, 2002), de Aleksandr Sokurov, pode ser comparado com O Reino do Amanhã, a HQ escrita por Mark Waid e pintada por Alex Ross. Calma, a obra não deixa de ser um "filme-de-arte", complexo e anticomercial. Também não se trata de um filme de super-heróis. Mas, da maneira como é apresentada, a produção tem algumas analogias com o gibi.
Como um Norman McCay, pastor nomeado juiz, jogado em um futuro tenebroso do gibi, o misterioso personagem vivido por Sergei Dreiden, um certo Marquês, surge no passado, em meio ao Museu Hermitage de São Petersburgo, antiga Leningrado. Enquanto na HQ McCay e seu guia, o Espectro, observam sem serem notados, em Arca russa a câmera acompanha e conversa com o Marquês pelos corredores do palacete, sede dos eventos mais significativos da História do Império Russo, também sem qualquer interferência na realidade.
Se a missão do pastor representa o futuro da relação humanos-heróis, a trajetória no filme espelha um passeio historiográfico por três séculos, desde Pedro, O Grande, passando por Catarina II, pela última ceia dos Romanov, até os dias de hoje, quando apenas obras do Renascimento italiano estão em exposição.
No fundo, há uma crítica ao declínio da cultura russa, mas o enredo se resume a isto. Como um Alex Ross perfeccionista, Sokurov visita cada detalhe de um dos palacetes mais espantosos da Europa, com 35 salas majestosas e arquitetura monumental. Dá vontade de viajar imediatamente a São Petersburgo e pedir para a guia do museu refazer o mesmo caminho de maravilhas.
Mas seria apenas um filme interessante, se não fosse uma peculiaridade. O diretor filma com uma câmera digital de alta resolução em um único plano-sequência. Ou seja, durante 97 minutos, não há cortes. E existem três mil figurantes e outros milhares de figurinos, representantes das épocas distintas. Foram quinze anos de idealização, sete de preparação e um dia de filmagens, 23 de dezembro de 2001. É simplesmente espantoso.
Para aqueles que conhecem a fundo a cultura do país, Arca russa é um filme obrigatório e emocionante. E para quem não conhece, basta contemplar um trabalho de altíssimo rigor estético e de beleza única. E que se tornará um paradigma técnico, como já é O reino do amanhã.
Ano: 2002
País: Rússia, Alemanha
Classificação: 18 anos
Duração: 97 min
Direção: Alexander Sokurov
Roteiro: Anatoli Nikiforov, Alexander Sokurov
Elenco: Sergei Dreiden, Mariya Kuznetsova, Leonid Mozgovoy, Maksim Sergeyev