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As Boas Maneiras | Crítica

Horror nacional se filia à vanguarda do gênero a partir das referências mais clássicas - de Mary Shelley a John Landis

07.06.2018, às 18H47.
Atualizada em 08.06.2018, ÀS 06H02

Enquanto o cinema americano "de qualidade" recusa a legitimidade do cinema de gênero - filmes de horror feitos por criadores independentes, como o recente Hereditary, se envergonham de se dizer filmes de horror propriamente - no Brasil os diretores Juliana Rojas e Marco Dutra fazem o caminho contrário. O trabalho mais recente da dupla, o premiado As Boas Maneiras, é mais um passo em direção à assimilação das convenções do gênero.

Rojas e Dutra despontaram em 2011 com Trabalhar Cansa, um suspense de realismo social que, em retrospecto, embora pague tributo ao cinema de Shyamalan, hoje se parece bastante com o chamado pós-horror, um dos rótulos que a indústria criou para definir o horror de mal-estar feito na Hollywood dos "autores". De lá para cá, os brasileiros flertaram com situações e estruturas típicas de gênero - Dutra no terror de possessão Quando Eu era Vivo, Rojas no musical Sinfonia da Necrópole - e agora eles voltam à parceria, reconciliando gostos e estilos antigos e novos.

O resultado é um horror sem pudor de recorrer ao artifício. As Boas Maneiras poderia se chamar também Um Lobisomem Brasileiro em São Paulo sem prejuízo de todo o seu teor de tragédia social e de comentário político. Na trama, a negra Clara (Isabél Zuaa) arruma um serviço de babá na casa de Ana (Marjorie Estiano) e deixa a periferia de São Paulo em direção à Ponte Estaiada e ao Brooklyn, onde Ana mora sozinha depois de ter engravidado e ter sido deserdada pelo pai fazendeiro. Ana encontra em Clara primeiro uma confidente, depois uma parceira, e com ela termina compartilhando um sangrento segredo seu (que justifica a filiação ao cinema de horror).

As Boas Maneiras chega aos cinemas somando-se ao zeitgeist de filmes que problematizam a normalização do racismo, e que vão do brasileiro O Diabo Mora Aqui ao oscarizado Corra!. Aqui, porém, temos um horror mais preocupado em dialogar com convenções do que com tendências - Dutra e Rojas filmam como se estivessem adaptando Mary Shelley com técnicas de John Landis (que se orgulharia do convincente lobisomem do filme), sem medo de usar, por exemplo, matte paintings (de autoria do quadrinista Eduardo Schaal) para criar um horizonte de fantasia quase transilvânica na Marginal Pinheiros. Até um "que olhos grandes... que mãos grandes..." aparece num diálogo a certa altura para evocar o fabular, num movimento de referências próximo daquele de Deixa Ela Entrar.

Na estrutura, a dupla também faz escolhas que distanciam As Boas Maneiras do cinema "de arte" lacunar e o aproximam de um senso de narrativa mais tradicional: as relações de causa e efeito são bem claras e imediatas, e os personagens se tipificam (a locatária ranheta, a madame caipira, a babá retraida, o filho revoltado) para manter tudo dentro de uma dinâmica de arquétipos. Essas decisões, coroadas por canções pontuais (que lembram não só Sinfonia da Necrópole mas também O Que Se Move nas suas opções pelo musical desafetado), e que hoje se confundem com "artificialismos", no fundo fazem de As Boas Maneiras um filme visivelmente artesanal - no sentido em que são decisões tomadas a partir de critérios de artesania mesmo, de um trabalho manual ponderado, cadenciado, decidido.

Nota do Crítico
Ótimo
As Boas Maneiras
As Boas Maneiras
As Boas Maneiras
As Boas Maneiras

Ano: 2017

País: Brasil, França

Classificação: 14 anos

Duração: 135 min

Direção: Marco Dutra, Juliana Rojas

Roteiro: Juliana Rojas, Marco Dutra

Elenco: Lilian Blanc, Luciana Paes, Marat Descartes, Caetano Gotardo, Ledda Marotti, Ivy Souza, Clara de Cápua, Naloana Lima, Germano Melo, Adriana Mendonça, Hugo Villavicenzio, Eduardo Gomes, Gilda Nomacce, Neusa Velasco, Nina Medeiros, Felipe Kenji, Andréa Marquee, Cida Moreira, Miguel Lobo, Marjorie Estiano, Isabél Zuaa

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