A autora de Através da Minha Janela, Ariana Godoy, se tornou um dos maiores sucessos do mercado literário depois que suas histórias no Wattpad chegaram a ter mais de 300 milhões de acessos. A chegada até o livro físico e a tomada de rédea das próprias histórias eram uma questão de tempo. O interesse nesse mercado estava evidente desde muito tempo antes, quando Stephenie Meyer – que também escrevia fanfictions – fisgou o coração dos adolescentes com a história de Bella e Edward Cullen.
Esse ponto é importante porque se constrói por si só. A cultura pop é feita de replicações do que funciona, por um longo tempo, ou até mesmo para sempre. Histórias de amor entre jovens que não podem ficar juntos são a base na qual Hollywood foi fortalecida. É claro que não há absolutamente nenhum espanto em ver que as pessoas ainda continuam consumindo esse tipo de narrativa mesmo nos dias de hoje, em que a linguagem sociocultural alcançou outros patamares. Por essência, a fanfic é uma história que usa personagens que já existem, em um contexto imaginado por quem está escrevendo o texto.
O trabalho de Ariana Godoy está preso nas mesmas correntes desde que foi criado. O que essas histórias todas têm em comum é o fato de existirem única e exclusivamente para ampliarem a voz superficial de onde vieram. São sempre tramas em que uma menina ingênua e romântica se interessa por um homem muito bonito, rico e inacessível, que esconde um passado sombrio e que será “transformado” pelo amor da mocinha... É como um som distante vindo dos séculos passados para assombrar o mercado até os dias de hoje. É como uma versão gourmetizada dos infames “romances de banca de jornal”.
Terceiro ato sem fatos
A história de Raquel (Clara Galle) e Ares (Julio Peña) nunca teve bases muito sólidas nessa adaptação da Netflix. Ares era um jovem muito rico e com pais negligentes, mas assim como acontecia na série Elite, nunca se vai muito fundo nas reais dificuldades que isso traria para o casal. No segundo filme, as mudanças feitas na história original até tentaram buscar um verdadeiro ponto de tensão, mas o filme todo era um longo episódio de De Férias Com o Ex, com jovens se pegando e tendo ciúmes uns dos outros.
A lógica permaneceu em vigência para essa aparente última parte. Dessa vez, Raquel e Ares estão separados, namorando outras pessoas; e é claro que o intuito da trama é fazer com que eles fiquem juntos novamente. Como os livros são focados cada um em um dos irmãos Hidalgo, a história tenta dar um pouco de destaque para Artemis (Eric Marsip) e Apolo (Hugo Arbués), mas, enquanto Artemis revela algum potencial na trama com Claudia (Emilia Lazo) – afinal ela era empregada da família e isso realmente torna o relacionamento complexo – a passagem de Apolo pelo último filme aproximou de novo a franquia do que se faz na série Elite: usar personagens LBTQIA+ para “vender” sexo, somente.
O sexo, aliás, é o que rege várias dessas franquias. After, Através da Minha Janela, 50 Tons de Cinza... e até quando foram adaptar Um Dia, de David Nicholls, aumentaram a dose de erotismo (o autor aproveitou entrevistas para dizer que essa tinha sido uma mudança proposta pelo streaming). No específico caso de Através da Minha Janela, a direção de Marçal Forés ao menos oferece ao espectador lindas tomadas das cidades por onde a trama passa; e uma belíssima coreografia visual nas sequências sexuais. Esses três filmes são filmes bonitos, agradam aos olhos, mas não querem dizer absolutamente nada.
Tudo que separou o casal no filme 2 se resolve em 5 minutos; nenhuma das relações vai para qualquer caminho de verdadeira substância; tudo é previsível e folhetinesco, com direito a um final bisonho que usa o falso afogamento como recurso climático, sem nem se dar ao trabalho de ser minimamente surpreendente. Nunca é necessário torcer pelo casal, porque ele nunca está em verdadeiro perigo; e decisões são tomadas sem nenhum escopo apenas porque o roteiro precisa que essa escassez de fatos resulte em algum tipo de ato. O filme é um grande nada, que termina com a protagonista escrevendo um livro sobre esse nada, submetendo os personagens da ficção ao mesmo tormento que passamos aqui na realidade.
Vale a pena olhar através dessa janela apenas para contemplar o que nasceu para ser contemplado desde que as janelas foram inventadas: a paisagem.
Direção: Marçal Forés