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Bingo - O Rei das Manhãs | Crítica

Estreia de Daniel Rezende na direção é uma máquina do tempo para os anos 1980

26.08.2017, às 15H33.
Atualizada em 26.08.2017, ÀS 17H01

Dois, três, meia, zero, oito, sete, três. Quem cresceu nos anos 1980, sabe o real significado destes números. Era o telefone do Bozo, um programa de televisão apresentado por um palhaço com a cara branca, roupa azul e nariz e cabelo vermelhos. Era a mania entre as crianças, que desfilavam nas escolas jargões como "cinco e sessenta", "dá uma bitoca no meu nariz" e "ah, que peninha", quando um participante não ganhava uma bicicleta em brincadeiras como jogo da memória e uma corrida de cavalinhos mecânicos - um branco, um preto e um malhado.

Anos depois, no dia 24 de novembro de 1998, o finado tabloide Notícias Populares trazia na sua manchete: "Bozo era movido a cocaína na TV". Claro que o jornal não estava falando do palhaço, que foi criado nos Estados Unidos, e importado por Silvio Santos, mas sim de um de seus intérpretes, Arlindo Barreto. Filho de atriz e, ele próprio um ator estudado, Barreto havia participado de algumas pornochanchadas, até que viu no palhaço a sua primeira chance real de protagonismo.

Com o sucesso conseguido na TV, vieram as festas, orgias e drogas. Ele se viciou em cocaína e só conseguiu se limpar quando entrou para a igreja. Por questões de direitos autorais com o palhaço original, nomes foram mudados. O Bozo virou Bingo, Arlindo virou Augusto (Gretchen continuou sendo Gretchen!) e Bingo: O Rei das Manhãs virou mais do que apenas um capítulo da TV brasileira. O filme é um resgate do que foram os anos 1980. Uma máquina do tempo.

O projeto é o primeiro longa-metragem de Daniel Rezende nos cinemas. Mas o diretor está longe de ser iniciante. Entre vários outros trabalhos, Rezende é o montador de Diários de Motocicleta, Tropa de Elite 1 e 2, RoboCop e Cidade de Deus, pelo qual foi indicado ao Oscar, em 2004. Depois de alguns curtas-metragens e séries de TV, ele viu na história de Arlindo tudo o que ele precisava para fazer esta estreia atrás das câmeras e mais afastado da sala de edição.

Wagner Moura era sua primeira opção para interpretar Augusto. Porém, o ator estava envolvido na minissérie Narcos, e o próprio Moura indicou Vladimir Brichta. E que decisão acertada! O ator some embaixo da máscara do personagem e conduz o filme. Dói ver o jeito que ele sofre pela sua desdenhada mãe, ex-diva, e mais ainda a forma como ele mesmo machuca seu filho quando fama e drogas lhe tomam a agenda.

O elenco de apoio tem Leandra Leal e Augusto Madeira igualmente irrepreensíveis como a diretora do programa (e alvo recorrente de cantadas) e o câmera-man (parceiro recorrente nas baladas). Entre as participações especiais, Pedro Bial aparece como o chefão da TV concorrente e Emanuelle Araújo faz a melhor Gretchen, única personagem real da vida de Arlindo que topou manter seu nome real. E temos ainda a última aparição de Domingos Montagnier, que repete sua famosa dupla com o também palhaço Fernando Sampaio em sequências carregadas de emoção.

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Outro personagem é a trilha sonora. Ex-DJ, Rezende traz para o filme seu estoque de fitas cassete BASF recheado de "lados-B" do que era pop nos anos 1980. Bandas como Echo & The Bunnymen e Devo se intercalam com as nacionais Titãs e Metrô - que aliás está tocando na cena em que o nosso Érico Borgo aparece em cena, tentando uma entrevista com Bingo durante uma festa. Desafio os leitores do Omelete a achá-lo!

Muito mais pop e divertido no seu início, o longa tem um anti-clímax com o mergulho de Augusto nas drogas, na sua pira de ser famoso sem poder ser reconhecido por isso. O neon, as cores e as roupas bufantes continuam presentes, mas neste momento, o clima do filme pesa e a fotografia de Lula Carvalho, com planos mais longos, chama atenção. Há duas em sequências em especial lindíssimas. A primeira, quando Bingo vai andando pelos corredores da emissora de TV e as luzes vão se apagando atrás dele, e a segunda - logo depois - quando a câmera viaja pela São Paulo dos anos 1980 e entra no apartamento de Augusto, digna de David Fincher.

Mais do que duas horas de escapismo, Bingo - O Rei das Manhãs é uma sessão de terapia. No escuro do cinema, você vai ver que os temas tratados ali não ficaram nos anos 1980 e que não estamos falando de Augusto. Ainda hoje estamos buscando reconhecimento, nos afastando da família em detrimento do trabalho e deixando de olhar para nós mesmos como protagonistas de nossas vidas. Daniel Rezende consegue fazer isso de forma leve e pop. Como diria Coronel Hans Landa em Bastardos Inglórios: "That’s a Bingo!".

Nota do Crítico
Ótimo
Bingo - O Rei das Manhãs
Bingo - O Rei das Manhãs
Bingo - O Rei das Manhãs
Bingo - O Rei das Manhãs

Ano: 2016

País: Brasil

Classificação: 16 anos

Duração: 113 min

Direção: Daniel Rezende

Roteiro: Luiz Bolognesi

Elenco: Vladimir Brichta, Leandra Leal, Tainá Müller

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