O subtítulo de Birdman Ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) é curiosamente aplicável ao volume de elogios rasgados que o filme tem recebido. É surpreendente que tantos estejam tão surpresos com um filme que enfeita sua visão de mundo datada com truques e firulas técnicas.
O mexicano Alejandro González Iñárritu, dos igualmente supervalorizados 21 Gramas e Babel, realiza no drama de humor negro uma colagem de referências que vão de Godard a Hitchcock e Sokurov. A montagem, como em Festim Diabólico (1948), engata longos planos-sequência com cortes em momentos-chave pouco perceptíveis, simulando um filme totalmente sem montagem, como o verdadeiramente linear Arca Russa (2002).
Supersaturado, com a câmera eternamente flutuando ao redor dos protagonistas e pelos corredores do teatro onde a maior parte da trama acontece, Birdman é, sim, lindo. Um desfile de domínio técnico em que os valores de produção falam mais alto que aquilo que o roteiro tem a dizer.
O cineasta cerca-se de excelente elenco. Todavia a trama depende demais de referências do "mundo real" para funcionar. Michael Keaton, o Batman de Tim Burton, é o protagonista Riggan Thomson, ator que viveu o super-herói alado Birdman no cinema em uma trilogia de sucesso e agora tenta provar nos palcos sua capacidade para atuação. A fusão do que está dentro e fora das telas, o conhecimento prévio do público do passado de Keaton, outrora o "astro da vez" - aqui em busca de seu primeiro Oscar - é imprescindível para o funcionamento do filme. Sem metalinguagem à la Godard, não haveria Birdman.
Keaton, claro, entrega-se à oportunidade, como bem deveria. A estatueta dourada da Academia, registro físico supremo da qualidade de ator para a indústria, nunca esteve tão próxima. Entre volteios de câmera e ângulos desejosos de atenção, o Batman/Birdman realmente faz o trabalho mais interessante de sua carreira "séria". O elenco de apoio, com Edward Norton (também fazendo uma versão dele mesmo) e Emma Stone, ajuda-o na jornada, conseguindo desviar a testa da câmera de Iñárritu.
Birdman é, assim, um exercício de estilo opressivo, devidamente abraçado pelo elenco. Um filme cujo discurso promete questões profundas, mas entrega apenas convenções datadas. As discussões sobre celebridade - algo que Andy Warhol já promovia há décadas - são tratadas aqui com soberba de programa de jantar de domingo. Olhar de velho que acaba de entender o que é um "microblog da rede mundial de computadores" e está achando "um absurdo essa juventude". Pior ainda é o questionamento do tal "papel do crítico"(saudades, Ratatouille). Iñárritu parte da ideia de que críticos ainda têm (ou acreditam ter) qualquer poder sobre obras culturais, decidindo o que presta e o que não presta, afundando e alçando ao Olimpo atrás de seus teclados qualquer produção. A noção entra em confronto direto com questão da "celebridade digital" que ele mesmo elabora.
Ao fingir que entende o mundo de hoje, o diretor prova mesmo é que parou no tempo. Mas ao menos o fez com estilo.
Ano: 2014
País: EUA, França
Classificação: 16 anos
Duração: 119 min