Cena de Bolero: A Melodia Eterna (Reprodução)

Créditos da imagem: Cena de Bolero: A Melodia Eterna (Reprodução)

Filmes

Crítica

Bolero ganha força como meta-história sobre o valor da “arte de contrato”

Biopic de compositor francês retrata um artista que luta para se sobrepor ao comércio

Omelete
4 min de leitura
17.04.2025, às 11H10.

Em uma cena logo no começo de Bolero: A Melodia Eterna, o maestro Maurice Ravel (Raphaël Personnaz) interrompe o ensaio de uma de suas novas composições para dar uma bronca nos músicos: “Vocês não sabem que a valsa exige precisão extrema? O ritmo precisa ser mantido a todo custo”. Na missão de contar a história de vida do compositor, e da criação da obra-prima que batiza o seu filme, a cineasta francesa Anne Fontaine parece ter levado essa instrução muito a sério. A Melodia Eterna é um filme de rigor inquebrantável. Composto por encenações econômicas e tão preocupado com estender seus silêncios quanto em mostrar a música do seu biografado, a cinebiografia se apoia no estoicismo do protagonista para comunicar emoções mudas, por vezes até irrealizadas.

Fontaine faz, assim, um Bolero que aposta altíssimo na sedução da elegância, no apelo do nunca mostrado, no anseio que nunca se concretiza. E, uma vez que o espectador entra na frequência do filme - há de se admitir que a primeira meia hora pode ser enervante em sua autocensura -, fica claro que a cineasta tem domínio o bastante do meio para fazer o risco valer a pena. Com o diretor de fotografia Christophe Beaucarne (Coco Antes de Chanel), o montador Thibaut Damade (Inimigo Público Nº 1) e o designer de produção Riton Dupire-Clément (Ilusões Perdidas), Fontaine constrói um mundo aéreo, mas nunca vazio, definido tanto pelo espaço amplo de respiro provido por seus ambientes aristocráticos bem iluminados quanto pela granularidade das suas cenas noturnas, sejam elas encenadas em um clube de jazz ou à beira do Sena.

Capturando essa construção habilmente, o protagonista Raphaël Personnaz (Alexander Vronsky em Anna Kareninade 2012) entende que precisa comunicar o turbilhão interno que gera a música Ravel em poucos gestos. E o ator se mostra surpreendentemente adepto desse minimalismo, adotando inflexões de voz e meios-sorrisos que expressam convincentemente o conflito entre um homem rigorosamente dedicado à sua arte, os sofrimentos que advém dessa dedicação, e as angústias que ele internaliza para mantê-la. Assim Bolero vai caminhando, com a mesma eficiência, e a mesma pose, com a qual o seu biografado atravessou a vida - mas o filme também divide com Ravel a grandeza inesperada que emerge dessa paciência.

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Isso porque, em algum ponto de sua segunda hora, logo depois do compositor ter mostrado a melodia da sua magnum opus pela primeira vez para alguém, o filme de Fontaine se transforma numa meta-reflexão potente sobre o quanto vale uma “arte sob contrato”. O “Bolero”, afinal, foi composto a partir da encomenda da coreógrafa e bailarina Ida Rubinstein (Jeanne Balibar), e utilizado por ela em um balé cujo tom e conteúdo o próprio compositor abominava, ao menos a princípio. Teria nascido dessa colaboração relutante a grandeza de uma melodia que tem atravessado os séculos? E o briefing dado por Rubinstein antes de contratar Ravel, o quanto lhe guiou na hora de compor? A dificuldade extenuante que o grande maestro encontrava na hora de criar era evidência de que seu talento era menos nato, e mais mecânico?

Cresce a partir daí a sensação de que Fontaine entende o seu biografado mais profundamente do que inicialmente pode parecer. Figura proeminente como atriz no cinema francês desde os anos 1980, ela ganhou notoriedade por trás das câmeras com thrillers familiares ousados como Nathalie X (2003), mas pelo caminho foi cooptada pela indústria para encarnar um cinema francês mais dado à convencionalidade, ou ao menos a uma subversão mais sutil, em filmes como Como Antes de Chanel (2009) e Agnus Dei (2016). O resultado é que, embora a cineasta ainda aborde tabus sexuais em títulos recentes da filmografia - vide Amor Sem Pecado (2013) e Branca Como a Neve (2019) - estes longas “acadêmicos” se tornaram suas obras mais famosas. 

Tendo em vista essa trajetória, é fácil ouvir a própria Fontaine (também coautora do roteiro de Bolero, ao lado da colaboradora habitual Claire Barré) falando quando Ravel reclama que a melodia encomendada do seu “Bolero” se tornou maior do que ele, ou lamenta nunca ter composto “o que bem queria”, mas sim o que os outros pediam a ele. Existe um nível de meta-ficção aqui, e também um nível de defesa pessoal - quando Bolero: A Melodia Eterna argumenta que, apesar dos sentimentos que ele mesmo pudesse ter sobre isso, Ravel construiu uma obra cujo valor é provado pela própria repetição, pelo abraço entusiástico que recebeu da cultura ao seu redor, Fontaine também dá um tapinha no próprio ombro.

E, no fim das contas, que bom para ela. Até porque é essa armação retórica mais apaixonada que faz o seu novo longa se impor como algo além de um retrato gentil da vida gentil de um homem gentil. Um que deixou como legado uma obra tão proeminente que já se tornou, de certa forma, prosaica. Bolero resgata a paixão do “Bolero” justamente por sentir que precisa defendê-lo - e, por extensão, a si mesmo.

Nota do Crítico
Excelente!

Bolero - A Melodia Eterna

Bolero

Ano: 2024

País: França, Bélgica

Duração: 120 min

Direção: Anne Fontaine

Roteiro: Anne Fontaine, Claire Barre

Elenco: Emmanuelle Devos , Raphaël Personnaz , Sophie Guillemin , Jeanne Balibar , Doria Tillier , Vincent Pérez

Onde assistir:
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