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Bom Comportamento | Crítica

Os irmãos Safdie adaptam seus relatos de movimento caótico a um empolgante thriller de perseguição

17.10.2017, às 18H25.
Atualizada em 17.10.2017, ÀS 19H00

Das regras que regem os thrillers uma se põe acima das demais, a noção de que um movimento interrompido é sinônimo de morte. Perseguições até um beco sem saída, uma queda livre, um tiro de revólver que encontra um alvo - o cessar de um momento, de uma ação, o fim de um suspense, enfim, têm nesse tipo de filme um efeito de conclusão.Bom Comportamento (Good Time), o novo longa dos irmãos Benny e Josh Safdie, reza sob essa regra dourada.

Essa aproximação com o cinema de gênero mais popular - no caso, o suspense de perseguição - não deixa de ser uma evolução natural para os Safdie, porque os trabalhos anteriores dos roteiristas/diretores já seguiam essa regra. Herdeiros de um tipo de drama naturalista urbano que se popularizou no cinema independente americano com John Cassavetes nos anos 1970, os Safdie pegaram de Cassavetes a ideia da ação constante como o oxigênio que move as pessoas (não um movimento ordenado e sim um impulso caótico) desde seus primeiros longas, The Pleasure of Being Robbed e Traga-me Alecrim.

Não por acaso, o próprio Cassavetes acabou ajustando seu cinema-verdade a filmes de gênero, como o policial cult Gloria (sobre uma prostituta perseguida pela máfia) e utilizou esse molde para criar uma Nova York que fosse étnica e socialmente diversa mesmo dentro das restrições da indústria. Com Bom Comportamento não é diferente. Os Safdie deixam um pouco de lado a bolha de uma certa Nova York de párias brancos romantizados (receita que atingiu o auge em 2014 em Amor, Drogas e Nova York) e incorporam neste novo filme questões raciais ao seu tradicional estudo de personagens à margem da sociedade.

Na verdade seria difícil fazer um filme como Bom Comportamento sem abordar as diferenças socioculturais de Nova York, porque se antes os longas dos irmãos se concentravam em bairros específicos de Manhattan, ou mesmo praças e parques específicos, desta vez a estrutura de thriller de perseguição exige um escopo maior. Na trama, Robert Pattinson vai do Centro até o Queens no papel de um marginal pé-de-chinelo que corre tentando juntar dinheiro para pagar a fiança do irmão deficiente mental que foi preso por sua culpa. A trilha de sintetizadores à la John Carpenter embala vidas abandonadas, iluminadas por televisores e pelas luzes do trânsito.

O que torna os filmes dos Safdie tão atraentes (à parte o talento para o naturalismo com câmera na mão, sempre impecável) é a crença, sem dúvida romântica, de que o movimento constante é capaz realmente de transformar a vida das pessoas, por mais precárias que sejam suas rotinas, suas perspectivas. Intenso como nunca, Pattinson surge em cena com seus olhos vidrados de junkie para nos imbuir dessa crença. Fica claro desde o começo que o próprio ato de parar um segundo para raciocinar sobre seus próximos passos, nessa perseguição quase cômica, já seria um vacilo mortal.

"Um dia vamos para um lugar onde poderemos fazer de tudo o que quisermos", diz a música que embala as ambições do protagonista, sem que nunca essas imagens - como é esse lugar? O que é que se deseja? - se tornem minimamente manifestas, concretas. O que importa é a possibilidade, é o potencial de mudança, e por isso o movimento errático, sem reflexão, se torna tão essencial. Bom Comportamento é organizado menos como uma crônica da cidade do que como um thriller de set pieces mesmo, e a cada mudança de cenário parece que Pattinson muda junto (o uniforme, a tinta na roupa, o cabelo), e para ele nada mais importa.

É espantoso que os Safdie tenham feito, assim, um thriller absolutamente ontológico - o que vemos aqui é um filme sem respiro sobre como organizar cerebralmente um thriller de perseguição - e ao mesmo tempo nunca percam de vista o perfil humano e potencialmente revelador do seu estudo de personagem, com todos os improvisos envolvidos no processo. Porque embora Robert Pattinson seja, no fundo, apenas um corpo que corre, sua dimensão trágica - característica dos filmes dos Safdie, com seu olhar tocante sobre os marginalizados, suas motivações, seus desesperos - em nenhum momento se perde.

Nota do Crítico
Excelente!
Bom Comportamento
Good Time
Bom Comportamento
Good Time

Ano: 2017

País: EUA

Classificação: 16 anos

Duração: 105 min

Direção: Ben Safdie, Joshua Safdie

Roteiro: Joshua Safdie, Ronald Bronstein

Elenco: Robert Pattinson, Ben Safdie, Jennifer Jason Leigh, Buddy Duress, Taliah Webster, Barkhad Abdi, Necro, Peter Verby, Saida Mansoor, Gladys Mathon, Rose Gregorio, Eric Paykert, Rachel Black, Cliff Moylan, Hirakish Ranasaki, Maynard Nicholl, Craig muMs Grant, George Lee Miles, Lucas Elliot Eberl, Souleymane Sy Savane, Shaun Rey, Marcos A. Gonzalez

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