Foto do filme Cidade de Deus

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Cidade de Deus | Crítica

Cidade de Deus: Modelo para as produções futuras

29.08.2002, às 00H00.
Atualizada em 27.05.2020, ÀS 15H51

Bem recebido em sua recente exibição no Festival de Cinema de Cannes, o filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, chega agora a seu país de origem. No entanto, ao contrário de muitos nacionais, este não é um filme de arte feito para agradar platéias de festivais de cinema estrangeiros, ser indicado para Oscar (perdendo!) e testar a paciência do público brasileiro. Não, trata-se de um genuíno exemplar de bom cinema!

Adaptação do livro homônimo de Paulo Lins (este, por sua vez, baseado em fatos reais), Cidade de Deus mostra o surgimento e evolução do crime organizado na comunidade homônima (que fica na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, caso os não-cariocas estejam se perguntando) entre a segunda metade dos anos 60 e o final da década de 70 pela ótica do protagonista/narrador Buscapé, um jovem da Cidade de Deus apaixonado por fotografia que deseja levar uma vida honesta, apesar de toda a brutalidade em seu redor.

O filme é desconcertante. Mostra toda a violência das favelas sem meias palavras ao mesmo tempo em que evita cuidadosamente cair na armadilha de mostrar sangue e tripas. Isso não o torna menos impactante, uma vez que situações como crianças pequenas matando pessoas com a mesma falta de cerimônia de criminosos calejados é algo difícil de digerir, não importa como sejam mostradas. O filme não é indicado para pessoas sensíveis.

A estrutura narrativa do filme é brilhante, iniciando-se em um momento em que o protagonista está correndo enorme risco de morte. Ele, então, começa a relembrar todos os acontecimentos que levaram a este ponto até retornar ao momento exato de onde saíra, que é o clímax da fita. Tudo é contado com uma naturalidade que evita que o espectador mais distraído se perca, mesmo considerando o grande número de personagens. O filme também usa com habilidade os seus fatos reais, chegando a incorporar uma passagem do Jornal Nacional de 1979 em sua história.

A produção também se revela surpreendentemente cômica em certos momentos, destaque para as seqüências em que Buscapé decide deixar de ser otário e tenta iniciar uma carreira criminosa. Algumas piadas são geniais, mas uma delas em particular deverá colocar todos os críticos de São Paulo contra o filme. Aqui no Rio, por outro lado, ela foi aplaudida durante a pré-estréia [nota de um editor paulistano: aqui em São Paulo, na primeira pré-estréia do filme, a cena TAMBÉM foi apreciada]...

Não bastasse isso, o filme tem uma das melhores fotografias da história do cinema brasileiro. Nestes tempos pós-Gladiador em que Hollywood parece acreditar que câmeras com Mal de Parkinson e cortes a cada três segundos são sinônimos de boa fotografia, ver algo criativo, ousado e inteligível em uma fita brasileira é motivo de orgulho.

Vale a pena também mencionar os atores. Ao invés de recorrer a um elenco Global que seria tão artificial em uma favela quanto o é em uma novela da TV, os produtores recorreram a um expediente inovador: escolher os atores entre os próprios habitantes de comunidades de baixa renda e ensiná-los o ofício especificamente para o filme. Deu certo! Os jovens estão todos bastante convincentes em seus papéis e vários revelam-se muito talentosos! Alguns até demais, basta comparar o articulado ator seu Jorge, que interpreta o marginal Mané Galinha, com a sua contraparte da vida real (que aparenta, na mencionada entrevista para o Jornal Nacional, ter sido uma pessoa com grande dificuldade em se expressar).

Aliás, aqui reside o único problema do filme. No esforço de manter o realismo, todos os atores falam usando as expressões da favela dos anos 70! Os diálogos do filme serão quase incompreensíveis em algumas regiões do país (e se for exibido em Portugal, recomendo que seja legendado...). Além do favelês já ser complicado por si só para quem não é da área, o uso de expressões com data de validade vencida como cocotas complica ainda mais. Entretanto, é um problema menor e justificado.

No final das contas, é um filme nacional interessante, bem escrito e que deveria servir de modelo para as produções futuras. Talvez a melhor produção brasileira do ano e uma das melhores dos últimos tempos. Merece ser conferida!

Nota do Crítico
Excelente!
Cidade de Deus
Cidade de Deus
Cidade de Deus
Cidade de Deus

Ano: 2002

País: Brasil

Classificação: 16 anos

Duração: 130 min

Direção: Kátia Lund, Fernando Meirelles

Roteiro: Bráulio Mantovani

Elenco: Leandro Firmino, Phellipe Haagensen, Alexandre Rodrigues

Onde assistir:
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