Paul Mescal e Emily Watson em Criaturas do Senhor (Reprodução)

Créditos da imagem: Paul Mescal e Emily Watson em Criaturas do Senhor (Reprodução)

Filmes

Crítica

Criaturas do Senhor faz retrato angustiante de um mundo afogado em egoísmo

Emily Watson entrega performance hercúlea em filme que vai além do ativismo

Omelete
4 min de leitura
13.04.2023, às 14H40.

Na vila de pescadores irlandesa onde se passa Criaturas do Senhor, ninguém sabe nadar. Embora possa parecer um fato contraditório com a principal atividade econômica do local, existe uma lógica mórbida por trás dele: já que ninguém sabe nadar, ninguém ousa pular no mar para salvar um colega de barco que esteja se afogando, e portanto ninguém arrisca morrer bancando o herói. Quem é tragado pelo oceano, portanto, morre sozinho - e quando Brian (Paul Mescal) retorna para casa após passar um período longe, por motivos misteriosos, ele dá de cara com o funeral de um de seus amigos de outrora.

O filme de Saela Davis e Anna Rose Holmer, dupla do elogiadíssimo The Fits, é um daqueles que mantêm rédea curta na quantidade de informações que revela e que esconde do espectador - ou seja, não há exposição gratuita aqui, e nada do passado dos personagens é mastigado. Em cenas tão diretas quanto complexas nas sensações que querem suscitar, Criaturas do Senhor mostra o desconforto e a cumplicidade entre Brian e a mãe, Aileen (Emily Watson), infere a dependência tipicamente patriarcal que caracteriza a relação dos dois, confronta - sem realmente questionar - o ato de lealdade que desmancha a ilusão da mãe sobre o filho.

A saber, Aileen mente para a polícia quando Brian é acusado de estuprar uma ex-namorada, Sarah (Aisling Franciosi), provendo um álibi falso para o filho na noite do crime. Criaturas do Senhor não ignora as estruturas sociais por trás de tal ato, e não precisa se esforçar para expô-las: de forma quase tácita, trocando o sinistro pelo corriqueiro, o filme mostra que a mentira de Aileen é, acima de tudo, apenas mais um fator de um sistema que é construído para proteger Brian e duvidar de Sarah. O que o filme faz com inteligência aguda, no entanto, é interrogar os vícios humanos que se escondem por trás desse sistema.

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Como revela a tradição cínica do vilarejo, que impede que seus trabalhadores morram protegendo uns aos outros, estamos todos em busca da manutenção dos nossos privilégios, da nossa segurança, do nosso bem-estar. Que espaço há para o altruísmo em uma lógica onde a trapaça permitida pelo status social está na raiz do sucesso profissional, e portanto de uma vida confortável? Quando achamos tempo para nos importar com os outros, para desenvolver uma consciência, quando os embaraços da nossa vida tomam tanto do nosso tempo, da nossa energia, e o medo de que tudo vire de cabeça para baixo (de novo) nos consome com tanta voracidade?

Aileen age motivada essencialmente por esse medo, mesmo que em última instância o impulso que ela sente de mentir pelo filho aja contra o seu próprio interesse. É essa a crise que Emily Watson imprime com tanta precisão durante o filme, abraçando-o em seus próprios termos - ou seja, trocando verborragia por observação - e traçando o arco crescente da angústia que despedaça a personagem com delicadeza, mas sem meios-termos. A desilusão estampa-se nos olhos (não à toa, o pôster do filme é focado neles), a realização da injustiça sente-se no corpo, nos momentos em que ela é obrigada a desprender-se das tarefas diárias que ocupam a mente.

O que mais dói, no fim das contas, é que Aileen percebe que traiu a si mesma tentando preservar uma vida que engloba pouco além de uma servitude silenciosa. O roteiro de Criaturas do Senhor, assinado por Shane Crowley em sua estreia nos longas-metragens, é brilhante na maneira como desvela o egoísmo que faz homens acreditarem na legitimidade de seus atos de violência, e mulheres agirem para a manutenção de uma segurança falsa. Somos todos criaturas do senhor no escuro”, diz uma personagem em certa cena, prefigurando um retrato de mundo composto por ciclos viciosos sutis, embora o desfecho sugira, em tom agridoce, que eles não são inescapáveis.

Enfim, com rigor exemplar em sua construção, o longa prova que ainda há algo não dito no cinema quando o assunto é abuso, misoginia e violência. Basta ir além da superfície - de preferência, de mãos dadas com alguém que saiba nadar.

Nota do Crítico
Ótimo

Criaturas do Senhor

God's Creatures

Ano: 2022

País: Irlanda/Reino Unido/EUA

Duração: 100 min

Direção: Saela Davis, Anna Rose Holmer

Roteiro: Shane Crowley

Elenco: Aisling Franciosi , Paul Mescal , Emily Watson

Onde assistir:
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