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Crítica: Contos da Era Dourada

Antologia de curtas com espírito de longa relembra de forma agridoce os últimos anos do comunismo na Romênia

14.10.2010, às 18H43.
Atualizada em 03.11.2016, ÀS 01H04

Contos da Era Dourada (Amintiri din Epoca de Aur, 2009) é uma rara antologia de curtas-metragens que tem unidade de longa. O cineasta Cristian Mungiu (4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias) junta quatro curta-metragistas para dirigir os segmentos cômicos - Hanno Höfer, Razvan Marculescu, Constantin Popescu e Ioana Uricaru - mas assina sozinho os roteiros, o que dá um norte à dramaturgia do filme romeno.

"Era dourada" é como a propaganda comunista se referia, abusando do eufemismo, aos melancólicos anos finais do regime do ditador Nicolae Ceausescu, morto em 1989. Racionamento extremo de comida e abusos de hierarquia estatal são, no mundo todo, sintomas das vésperas da queda do Muro de Berlim, mas na pobre Romênia a situação era das piores. Mungiu relembra o período com uma sátira agridoce.

Algumas lendas daquela era, como a vila que se prepara para a carreata do comissário mas não vê o evento passar, ou os fotógrafos que cometiam gafes quando o partido os forçava a manipular - antes do advento do Photoshop - as fotos oficiais de Ceausescu, são os motes para os seis segmentos. O filme os divide em duas partes: Contos de Autoridade ("A Lenda da Visita Oficial", "A Lenda do Fotógrafo Oficial", "A Lenda do Policial Ganancioso" e "A Lenda do Ativista Zeloso") e Contos de Amor ("A Lenda dos Vendedores de Ar" e "A Lenda do Motorista de Galinhas").

Em comum, todos têm o senso de humor romeno que os cinéfilos conhecem bem de filmes como A Leste de Bucareste: tiradas secas, de gags sofisticadas que usam a comédia física sem partir para o pastelão aberto. Mas a evolução entre os curtas é sutil. Mungiu começa com os Contos de Autoridade porque, afinal, satirizar a burocracia do regime não exige esforço. O absurdo das regras de conduta - tudo tem uma liturgia e muitos níveis de autorização - é também o lado mais aparente da vida no comunismo.

"A Lenda da Visita Oficial" serve muito bem para estabelecer esse cenário, com seus personagens girando no carrossel sem sair do lugar. No comunismo tudo tem caráter de urgência, e só quem observa esse ciclo de fora consegue enxergar o vazio da afobação constante. "A Lenda do Policial Ganancioso", sobre uma família que ganha um porco e tenta matá-lo sem que os vizinhos percebam, é o ápice dessa primeira parte, porque atinge o ponto de equilíbrio entre o humor (o timing cômico do ator Ion Sapdaru é sempre ótimo) e a tragédia (os personagens à sombra, a desigualdade velada entre as crianças).

"A Lenda do Policial Ganancioso" é também o primeiro curta a se aprofundar na questão que se instalará plenamente na segunda parte, os Contos de Amor. O comunismo pregava a igualdade de tratamento, mas as individualidades represadas só conseguiam isolar as pessoas, cada uma com suas ambições de vida, como os personagens dos dois últimos curtas, que quebram as normas de Ceausescu em nome de uma esperança afetiva. Não é raro ver, por exemplo, os tipos de "A Lenda do Motorista de Galinhas" dispensando ajuda para servir uma sopa ou lavar cabelo - a utopia do Estado provedor elimina a ideia civil de solidariedade.

É uma manobra inteligente a de Mungiu, partir de fora pra dentro: na aparência, olhando para o passado, o regime é só piada, mas os reflexos são sentidos não apenas no dia a dia como no acúmulo sentimental dos romenos, por anos. Faz todo sentido que os curtas de Contos da Era Dourada se tornem progressivamente mais tristes - a arte dos bons filmes recentes do país, no mais, é saber rir de suas próprias mazelas sem perder delas a sua dimensão mais humana.

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Nota do Crítico
Ótimo
Contos da Era Dourada
Amintiri Din Epoca de Aur
Contos da Era Dourada
Amintiri Din Epoca de Aur

Ano: 2009

País: Romênia, França

Classificação: 12 anos

Duração: 155 min

Direção: Hanno Höfer, Cristian Mungiu, Constantin Popescu, Ioana Uricaru, Razvan Marculescu

Roteiro: Cristian Mungiu

Elenco: Tania Popa, Diana Cavallioti, Radu Iacoban, Vlad Ivanov, Liliana Mocanu, Alexandru Potocean

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