Há algo nos párias que ao mesmo tempo seduz e incomoda Anna Muylaert. Paulistana, uspiana, a diretora contou em seu primeiro longa, Durval Discos, a história de um tipo clássico da Vila Madalena que nunca deixou os anos 70. Agora, no segundo, É Proibido Fumar, as locações só mudam alguns quilômetros, para um prédio residencial em Higienópolis.
Novamente é a história de uma pessoa que parou no tempo: Baby (Glória Pires), candidata a "ficar pra titia", como se dizia. Baby veste camiseta do Chico Buarque e briga com as irmãs para ficar com o sofá que era da mãe. As marcas cênicas que martelam o rótulo do anacronismo chegam a ser sufocantes - ela dá aula de violão para um menino que faz judô! Se existe algo mais oitentista do que judô é fazer judô e estudar violão ao mesmo tempo.
é proibido fumar
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Mas, enfim, é o humor que dá o tom inicial em É Proibido Fumar, e a caricatura é vital à boa comédia. Anna Muylaert sabe muito bem - a partir de uma harmonia de desenho de produção, trilha sonora, figurino, mise-en-scène - como tipificar um personagem e associar esse personagem a um espaço bem definido. No caso de Baby, embora a atuação de Glória Pires seja exata, o apartamento é tudo.
Olhando de fora a lateral do prédio, ponto de vista que frequentemente a câmera nos oferece, a diferença é gritante: os vizinhos têm janelas lisas, brancas, e o apê de Baby parece uma selva, abandonado às plantas desde a pré-história. Quando entramos na sala, inicialmente, não se vêm o chão nem o teto. O formato Scope, de janela 2,35:1, alarga as laterais e achata o cenário. Com Glória sempre ao centro, sentada ao sofá, é como se sua personalidade se espalhasse preguiçosa para os lados.
Em Durval Discos mesmo Muylaert já tinha predileção por mostrar a fachada da casa seguidamente, não só o interior, e afinal a loja de discos era fundamental à trama. Fica muito difícil dissociar os dois porque em É Proibido Fumar, além da construção do ambiente, há uma virada similar à de Durval Discos, quando a comédia melancólica cede cada vez mais lugar a um drama melancólico que mantém um pé no suspense (com direito a câmera saindo do tripé e partindo levemente tremida para a mão).
No apartamento vizinho de Baby chega um novo locatário. Entra em cena o personagem de Paulo Miklos, Max, outro pária da época em que as pessoas tinham apelidos em inglês, provocando a paixão de Baby. Ela concorda em largar o cigarro por pedido dele, se depila - toma rumo, enfim. Mas a virada está logo ali (e as fotografias presentes nos créditos iniciais eram um sobreaviso) e Baby será exposta, como Durval, ao teste definitivo do seu amadurecimento: mudar ou permanecer a mesma?
Desde que É Proibido Fumar ganhou o Festival de Brasília, chegou-se a um consenso de que o filme é um Durval Discos light. Talvez "light" não seja o termo ideal. O segundo longa de Muylaert é, sim, dependendo de quem olha, mais contido ou mais acomodado. Em nome de uma resolução que está em conformidade com as regras da comédia romântica, o "choque de gestão" de Muylaert não opera em Baby uma transformação como a de Durval. Opera mais uma conscientização, por assim dizer, e isso pode incomodar quem não enxerga ali uma evolução de filme pra filme.
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Ano: 2009
País: Brasil
Classificação: 14 anos
Duração: 84 min
Direção: Anna Muylaert
Roteiro: Anna Muylaert
Elenco: Glória Pires, Marisa Orth, Paulo César Peréio, Marat Descartes, André Abujamra, Marcelo Mansfield , Thogun, Paulo Miklos, Rafael Raposo, Lourenço Mutarelli, Etty Fraser, Theo Werneck, Paula Pretta