Não há norma de conduta que impeça muitos dos personagens de Wes Anderson de serem o que são. Em Três é Demais, Max Fischer realmente acha que pode namorar a professora, apesar da diferença de idade. Em Os Excêntricos Tenenbaums, Margot larga o marido de repente porque nunca deixou de amar o irmão. Em A Vida Marinha com Steve Zissou, o oceanógrafo está determinado a matar um peixe raro, por vingança. São tipos que não negam sua natureza, e é essa honestidade torta que nos cativa.
"Quem sou eu?", pergunta-se o Sr. Raposo em O Fantástico Sr. Raposo, o primeiro filme animado e infantil de Anderson, adaptação da fábula Raposas e Fazendeiros, de Roald Dahl. O Sr. Raposo tem esposa e filho e trabalha em um jornal. Preocupa-se com o mercado imobiliário. Conversa com seu advogado. Em certa cena, toma café da manhã, com sua camisa branca de mangas curtas e gravata listrada; daí quando a Sra. Raposa coloca uma pilha de panquecas na frente dele, o Sr. Raposo trucida nacos da comida em dois segundos, como se tivesse perdido a razão. Como se não fosse gente.
fantástico sr. raposo
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A cena espanta pelo vigor, pela violência até, mas teoricamente não deveria - quando o personagem sorri, mostrando inteiras duas fileiras de dentes, vemos que os caninos sobressaem... Estamos falando de uma raposa, afinal. A ironia e a graça do filme é que, diante do antropomorfismo exacerbado, que transforma bichinhos peludos em adultos com crises existenciais, o que está em discussão é justamente o direito deles de serem... animais.
Ou seja, à moda de Wes Anderson, estamos, de novo, diante de um herói ao encontro de sua natureza. No caso, o Sr. Raposo uma hora percebe que a única coisa que o completa é caçar a cria dos vizinhos. Nem seria preciso dizer, mas O Fantástico Sr. Raposo tende a agradar mais os fãs do cineasta do que o seu suposto público alvo. Há muita correria no filme, algumas situações cômicas "fáceis", para a criançada, mas ele não deixa de ser típico - o Sr. Raposo lembra Royal Tenenbaum, o Raposo Filho é um loser convencido como Max Fischer, e no final rola até uma epifania à la tubarão-jaguar.
Verdade via artifício
O que a animação em stop-motion adiciona, então, à filmografia de Anderson? Digamos que ela simultaneamente potencializa e desnuda muitos dos tiques de linguagem do diretor. Aliás, A Vida Marinha já era assim, como um ensaio aberto, um constante making-of, com atores que literalmente esperavam parados no canto do quadro a ordem para se mover. O diretor parece, a todo momento, querer dividir seus métodos conosco - nem que seja, como em A Vida Marinha, flertando com a autosabotagem da encenação. Em O Fantástico Sr. Raposo é um pouco assim também.
Com o stop-motion, Anderson não só amplifica seu gosto pelo cinema tableau (os enquadramentos geométricos cheios de referências pelos cantos agora são pensados em miniatura e frame a frame) como também, ao truncar a fluência da animação, para deixá-la com cara artesanal, permite-nos enxergar seu artificialismo. Os close-ups nas lágrimas falsas das raposas e nos pêlos do rosto que se movem um a um são de um descaramento... O cinema de Wes Anderson é só pose, você diz? E o que é o stop-motion senão poses?
Da mesma forma como Anderson traz para a premissa um tema que antes era apenas subtexto em seus trabalhos (a questão da natureza incontornável dos personagens), O Fantástico Sr. Raposo também escancara a opção do diretor de buscar a sua verdade via artifício. O que ele está fazendo sempre, e ainda mais visivelmente aqui, é ir ao encontro de sua própria natureza.
- O Fantástico Sr. Raposo | Omelete Entrevista Wes Anderson
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Ano: 2009
País: EUA
Classificação: LIVRE
Duração: 87 min
Direção: Wes Anderson
Elenco: George Clooney, Meryl Streep, Jason Schwartzman, Bill Murray, Wallace Wolodarsky, Eric Chase Anderson, Michael Gambon, Willem Dafoe, Owen Wilson, Jarvis Cocker, Wes Anderson, Karen Duffy, Robin Hurlstone, Hugo Guinness, Helen McCrory, Roman Coppola, Juman Malouf, Jeremy Dawson, Garth Jennings, Brian Cox, Tristan Oliver, James Hamilton, Steven M. Rales, Rob Hersov, Jennifer Furches, Allison Abbate, Molly Cooper, Adrien Brody, Mario Batali, Martin Ballard