Durante toda a minha vida de cinéfilo, sempre me perguntei como teria sido assistir aos grandes épicos do cinema na época em que foram lançados. Como os espectadores reagiram em 1933 quando o King Kong apareceu pela primeira vez na tela? E quando o Ben-Hur venceu a corrida de bigas em 59? Como seria a emoção de ver em 1962 o fulminante ataque à cidade de Agraba em Lawrence da Arábia? Ou ainda... como teria sido conferir 2001 - Uma odisséia no Espaço (1968) e Star Wars (1977)?
A resposta para essas perguntas veio em agosto de 2001 na forma de nove companheiros, unidos numa missão para salvar seu mundo, a Terra-média. Era a prévia especial para a imprensa da adaptação da cultuada trilogia do sul-africano J.R.R.Tolkien para as telas, conduzida por um desacreditado neo-zelandês chamado Peter Jackson, que empreendeu uma cruzada quase tão penosa - e satisfatória no final - quanto à de Frodo, Sam e seus aliados. No evento, durante 26 minutos, jornalistas foram transportados para o rico universo criado pelo escritor. A sensação deve ter sido muito semelhante à que os espectadores tiveram quando aportaram pela primeira vez na Ilha da Caveira, lar do gorila gigante que mais tarde cairia do topo do edifício Empire State. No final, todas as dúvidas a respeito da qualidade da produção, que só chegaria às telas em dezembro daquele ano, estavam dissipadas. Só restava esperar pelo filme.
Veio A Sociedade do Anel e com ele cenas memoráveis, como a fuga das Minas de Moria, o primeiro passeio pelo Condado, a beleza de Lothlórien, a corajosa queda de Boromir. O começo da aventura era sensacional e o final da produção irritava os desavisados. Cadê o final?, perguntavam-se as pessoas que estavam tomando contato pela primeira vez com a obra.
Mais um ano se passou, até que As Duas Torres entrou em cartaz, estabelecendo novos parâmetros de ação épica. A grandiosa batalha de Agraba é superada pela revolução digital. Dezenas de milhares de guerreiros cobrem a paisagem, numa investida à fortaleza do Abismo de Helm, onde Aragorn, Legolas e Gimli lutam lado a lado com os defensores de Rohan contra as hordas invasoras. É impossível deixar de maravilhar-se com a escala da aventura. Enquanto isso, Gollum - a impressionante criatura digital comandada por Andy Serkis - cativava a audiência pela sua miséria e sofrimento. Agora, só faltava um.
O retorno do Rei
Chega às telas o terceiro capítulo, O Retorno do Rei, historicamente o ponto fraco de várias trilogias no cinema. Star Wars, por exemplo, tem em O retorno de Jedi seu elo mais fraco. O poderoso Chefão e De volta para o futuro idem. Matrix revolutions... bem, melhor nem falar sobre esse. Apesar das desconfianças, Peter Jackson insistia fiz os dois primeiros só para poder realizar esse. Um cineasta nunca foi tão feliz numa afirmação. Parecia impossível, mas o derradeiro capítulo é também o melhor.
Tão veloz que as primeiras três horas passam como um curta-metragem, O retorno do Rei extrapola a escala da ação mostrada no segundo filme. Se antes os guerreiros eram dezenas de milhares, agora perdem-se de vista. E não vem sós... nâzgul alados participam do ataque à capital da humanidade, Minas Tirith, ao lado de orcs, uruk-hais, trolls, bárbaros humanos e os impressionantes Olifantes de guerra, tudo isso mostrado de forma perfeitamente inteligível, orquestrada em sintonia com a música grandiosa de Howard Shore. O sentimento, ou melhor... o sentimentalismo, também não é esquecido, com passagens carregadíssimas de emoção.
Na trama, Frodo (Elijah Wood) e Sam (Sean Astin), famintos e sedentos, estão à beira da loucura e suas provações ainda estão longe do fim, já que eles precisam atravessar Mordor, lar do terrível senhor da escuridão, Sauron. Aragorn (Viggo Mortensen) finalmente aceita seu papel na história da humanidade e torna-se aquilo que ele nasceu para ser. Entretanto, há um obstáculo ainda mais dramático em seu caminho, algo capaz de mudar o rumo do conflito. Gandalf, o Branco (Sir Ian McKellen) desponta como um general audacioso, capaz de devolver a coragem aos guerreiros de Rohan. Merry (Dominic Monaghan) e Pippin (Billy Boyd) tornam-se soldados e terão papéis fundamentais no confronto. Théoden (Bernard Hill) lidera as forças de Rohan e protagoniza, ao lado de sua sobrinha Éowyn (Miranda Otto) algumas das melhores seqüências do filme. Aliás, a participação da moça certamente deixará as feministas em êxtase!
Mais uma vez, a adaptação do texto original é primorosa. Jackson e os roteiristas Frances Walsh, Philippa Boyens e Stephen Sinclair conseguiram capturar a essência do livro, retirando tudo o que é pouco relevante para a história e ampliando momentos interessantes, explicados de maneira superficial por Tolkien. Assim, ganha importância o Rei dos Mortos e seu juramento e saem os capítulo do Expurgo do Condado e das Casas da Cura. Infelizmente, não foi possível encaixar nas três horas e vinte (!) o destino de Saruman (Christopher Lee). Entretanto, ele certamente estará na versão estendida que será lançada nos Estados Unidos em 2004.
O fim da saga
O resultando impressionante nas bilheterias (os três filmes juntos já superaram 2 bilhões de dólares mundialmente) é plenamente justificado pela afluência de público de todos os gêneros, não só fãs de fantasia ou ficção. O mérito aí é da história clássica - que Tolkien começou a desenvolver depois da Primeira Guerra Mundial e acabou uma década depois da Segunda -, que exalta o amor, trabalho, amizade e compaixão, desprezando a ganância e abusos de poder. Algo que se encaixa perfeitamente nos dias de hoje, também marcados por conflitos decididos por poucos e poderosos.
Se é necessário apontar algo negativo no filme, é justamente o fato dele ser o último da série. Não haverá O Senhor dos Anéis em 2004 e, apesar da vontade de Peter Jackson de realizar O hobbit - o primeiro livro de Tolkien - é ainda pouco provável que isso aconteça, já que os herdeiros de Tolkien não gostaram da adaptação e são eles quem detêm os direitos sobre o livro. Contentar-se com Harry Potter será difícil.
Além disso, os últimos minutos do filme, extraídos do extenso prólogo do romance, concluem a saga pelo menos três vezes antes dos créditos finais. A decisão parece ter deixado algumas pessoas na platéia um tanto irritadas, já que ela obviamente privilegia os fãs da obra, sempre ávidos por detalhes. O Omelete, claro, adorou.
Enfim, posso ficar tranqüilo agora. Já sei como as pessoas que viram o King Kong em 1933 se sentiram. Na verdade... espero saber exatamente como foi isso em 2005, quando o mesmo Peter Jackson de O Senhor dos Anéis lançar a sua refilmagem do clássico do Rei Kong. Apaixonado pelo filme, o cineasta já declarou que tratará o original com o mesmo empenho que teve com a obra de Tolkien. Não duvidamos.
Ano: 2003
País: EUA, Nova Zelândia
Classificação: 12 anos
Duração: 201 min