Após quase cinco anos desde o final da terceira temporada de Sailor Moon Crystal, reboot do anime que é extremamente (talvez excessivamente) fiel ao mangá, os dois filmes de Sailor Moon Eternal foram lançados na Netflix com uma tarefa complicada: adaptar um dos arcos menos populares da história original. Aliás, vamos tratar ambos os longas animados como uma única obra, já que são, realmente, partes de um todo que só funcionam em conjunto.
A primeira cena de Chibiusa é um ótimo exemplo do que a adaptação faz de melhor: esteticamente, os filmes são espetaculares, mesclando brilhantemente personagens com design moderno e cenários com um tom muitas vezes retrô, que parecem ilustrações propositalmente simplificadas. Chega a ser inacreditável, quando nos lembramos dos não tão elogiados episódios de Crystal. O salto, em termos de qualidade e até criatividade, é inegável.
É uma pena que esse cuidado com o visual não tenha sido direcionado também às lutas, que seguiram a mesma proposta de Sailor Moon Crystal. Ou seja, em vez de coreografias minimamente elaboradas que culminam em um grande golpe devastador, praticamente todos os ataques são uma sequência de gritos e poses cujo resultado é o êxito absoluto (inimigo morre assim que é atingido) ou o fracasso absoluto (inimigo consegue escapar ou nem sente o golpe).
O mangá, sem dúvida alguma, também não é tão inventivo na elaboração dos confrontos, mas o filme animado com certeza tem liberdade o bastante para investir nesse departamento. As longas cenas de transformação das Sailor Senshi, por exemplo, são muito mais curtas no mangá, mas acabaram se tornando uma tradição por causa do anime clássico e estiveram presentes no filme, como era esperado. A questão aqui nem é a sensação de adrenalina gerada pelos confrontos, mas quão mais impactantes algumas cenas se tornariam até mesmo conceitualmente, caso existisse essa preocupação.
As duas partes de Sailor Moon Eternal adaptam o arco Dead Moon Circus, do mangá. Nele, Usagi Tsukino e as demais guerreiras lutam contra invasores de outro mundo, que usam um circo chamado Dead Moon Circus como fachada para espalharem o caos pelo planeta Terra. No maior estilo Power Rangers, os integrantes desse misterioso grupo criam emboscadas inusitadas para eliminar as Sailor Senshi em vez de lutarem contra elas diretamente. Cabe aos espectadores tolerar os planos não tão geniais desses vilões para que possam se manter entretidos.
Se, por um lado, os planos mirabolantes passam longe de impressionantes, a abordagem psicológica dos antagonistas é convincente o bastante para despertar um sentimento de preocupação real em relação às vítimas (no caso, as Sailor Senshi). Em vez de ameaçar as heroínas fisicamente, o que realmente poderia ser um tremendo erro, considerando quão fortes elas são, o objetivo dos vilões é sempre fazer com que elas duvidem de si mesmas antes de atacar. Para que sobrevivam, todas as Sailor Senshi precisam se lembrar de quem elas são e do motivo de elas batalharem tanto pelo que acreditam.
Surpreendentemente, esse aspecto narrativo se mostrou extremamente positivo, principalmente, nos casos de Ami (Mercury), Rei (Mars) e Makoto (Jupiter), que foram diretamente beneficiadas por liberdades tomadas pelos filmes em relação ao mangá. Mais uma prova de que havia, sim, o que melhorar em relação à história original.
O mesmo não pode ser dito do quarteto extremamente poderoso formado pelas Sailors Uranus, Neptune, Saturn e Pluto, que só aparecem no segundo filme. Embora o enredo até tente dar certa importância a elas no início, quando Saturn dá sinais de que vai despertar novamente e Hotaru demonstra dons proféticos, elas logo se tornam apenas ajudantes extremamente estilosas da protagonista. Dói ver como o potencial dessas quatro é constantemente desperdiçado na história, mas esse problema vai muito além da adaptação.
Aliás, pode parecer estranho, mas o mesmo pode ser dito em relação ao potencial desperdiçado quando pensamos no trio principal. Especificamente, em Chibiusa, cujo desejo de se tornar uma adulta urgentemente poderia render um desenvolvimento muito mais interessante e profundo do que aquele presente, de fato, nos filmes. É claro que, se tratando de Sailor Moon, não faria sentido esperar algo semelhante à maneira como Asuka se vê obrigada a amadurecer rapidamente para superar os próprios traumas em Evangelion, por exemplo, mas era possível ir além da troca de corpo entre mãe e filha que pouco contribui para a evolução da pequena Sailor no final das contas.
Em alguns casos, Sailor Moon Eternal ultrapassa a barreira do "mal aproveitado" e se torna realmente confuso. Isso se deve, principalmente, à participação de Helios, o "par" de Chibiusa. Quais são os limites dos poderes dele (e quais são esses poderes, exatamente)? Por que ele ainda está vivo? Como ele consegue salvar as pessoas mesmo estando preso e ter sido pego fora da própria jaula como uma projeção humana? Esses detalhes podem até parecer fúteis, mas continuam sendo pontas soltas do enredo. Na maior parte dos casos, parece que a participação dele depende apenas do que é mais conveniente para a história. Só.
Até mesmo as aparições repentinas de Helios na forma de um unicórnio poderiam ser mais bem representadas visualmente. Ele surge do nada, desaparece e sempre sem um grande impacto; quase como se o critério do sininho valesse até para momentos em que ele é tocado involuntariamente.
Apesar das aleatoriedades e alguns equívocos, Usagi continua sendo a alma da história. A presença dela, muitas vezes, é o bastante para fazer valer a experiência. Como de costume, ela nos faz rir, a relação dela com Chibiusa tem alguns detalhes muito cativantes e o namoro dela com Mamoru Chiba... Bom, às vezes, funciona e, às vezes, nos deixa com raiva de como esse cara nunca consegue ser aberto com ela.
Embora seja possível imaginar versões muito melhores da história, Sailor Moon Eternal continua sendo uma excelente opção para fãs da franquia. Inclusive, dentre todas as versões existentes desse arco específico (anime original, mangá e os filmes animados), a dos filmes talvez seja a melhor que existe. Então, se você sente saudade de Sailor Moon, não pense duas vezes: apenas vá em frente. Caso tenha conhecido a série por meio de Sailor Moon Crystal, prepare-se para um salto de qualidade considerável e aproveite.
Ano: 2021
País: Japão
Classificação: 10 anos
Duração: 160 min
Elenco: Chiaki Kon