Jogar com o estigma dos freaks e, com isso, subverter os padrões estabelecidos de normalidade sempre foi o foco das principais comédias dos irmãos Peter e Bobby Farrelly. Ao contrário de filmes posteriores como O Amor É Cego (2001) ou Ligado em Você (2003), porém, que partem do constrangedor (o freak como bizarro, grotesco) para fazer essa subversão, Debi e Loide (1994), a estreia dos Farrelly no cinema, era mais primal: partia do inconveniente.
Debi e Loide está entre os melhores filmes de estreia da história do cinema justamente pela falta de cerimônia com que os Farrelly transformam, com som e fúria, a dupla Jim Carrey e Jeff Daniels nos reis da inconveniência. Vinte anos depois, nada mudou: a cena, logo no começo de Debi e Loide 2 (Dumb and Dumber To, 2014), em que Carrey e Daniels entram sem avisar pelos lados do enquadramento e berram no ouvido do cego Billy (Brady Bluhm), só para testar se os cegos têm mesmo a audição mais apurada, sintetiza o espírito de subversão (da própria imagem, inclusive, no romper do enquadramento).
debi e loide 2
debi e loide 2
Harry e Lloyd voltam a irritar todos que cruzam seu caminho, estrada afora, em uma trama que desavergonhadamente segue o modelo de intrigas e golpes do filme de 1994. A estrutura de road movie é importante como instrumento de propagação: Harry e Lloyd atravessam Estados dos EUA divulgando sua "palavra", a estupidez, em nome do desarme da esperteza (inclusive da sua própria) e da suposta normalidade (falsas esposas perfeitas, falsos cientistas brilhantes...). Enquanto versões modernas dos Três Patetas - cujo humor anti-establishment moldou a comédia dos Farrelly - Harry e Lloyd também brigam entre si, mas só para reforçar sua cumplicidade.
Se Carrey e Daniels obviamente não são mais jovens - o que não compromete seu timing ou seu vigor cômico, vale dizer - seus personagens felizmente nunca envelhecerão, porque foram pensados como figuras anacrônicas. Harry e Lloyd estão fadados a viver noutro tempo, eternos infantes num mundo de adultos. E circulam por ambientes fakes tipo sitcom (o condomínio de Billy parece a Vila Sésamo), lugares cartunescos (o despejo da indústria química) e cenários de imaginário coletivo (a estrada, a mansão, o restaurante, a convenção) porque os Farrelly entendem que seus heróis habitam essa espécie de realidade projetada, suspensa, onde tudo pode ser transformado dependendo apenas do tempo de piada certo.
E Jim Carrey continua fazendo miséria nesse campo em branco, imaculado, que lhe é oferecido para criar no espaço e no tempo. Debi e Loide 2 só aconteceu porque o ator - cuja persona anárquica no cinema deve muito à liberdade dada nos filmes que realizou com Peter e Bobby Farrelly - aceitou participar de uma continuação, diz ele, depois de rever recentemente o longa de 1994 num quarto de hotel, por acaso. Com exceção da patrulha do bom gosto, todos ganham com a volta dos reis da inconveniência, especialmente Carrey.
Debi e Loide 2 | Cinemas e horários
Ano: 2014
País: EUA
Classificação: 12 anos
Duração: 109 min
Direção: Bobby Farrelly, Peter Farrelly
Roteiro: Bobby Farrelly, Peter Farrelly, Sean Anders, John Morris, Mike Cerrone
Elenco: Jim Carrey, Jeff Daniels, Rob Riggle, Laurie Holden, Don Lake, Bill Murray, Kathleen Turner