Cena de Didn't Die (Reprodução)

Créditos da imagem: Cena de Didn't Die (Reprodução)

Filmes

Crítica

Didn't Die mina com habilidade a potência dramática da história de zumbis

Thriller exibido em Sundance é simples, eficiente e bem atuado

Omelete
4 min de leitura
31.01.2025, às 16H54.

Não é novidade para nenhum conhecedor de cinema de terror que o zumbi nasceu como uma crítica ao racismo. A Noite dos Mortos-Vivos (1968), clássico de George A. Romero que deu luz ao subgênero, foca nas tensões raciais em torno de um grupo de sobreviventes que lutam contra os mortos-vivos, sob a liderança de Ben (Duane Jones, um dos poucos protagonistas negros do cinema de terror da época).

Nos anos que se seguiram, Romero e os autores que pegaram carona em sua invenção foram transmutando a infecção zumbi em uma metáfora para o consumismo (O Despertar dos Mortos), o militarismo (Dia dos Mortos), a espiral de tragédia política do século XXI (Extermínio), a juventude à deriva da era das redes sociais (All of Us Are Dead), e por aí vai… acontece que, conforme o apocalipse foi se tornando menos uma teoria de catástrofe e mais uma realidade gradual, o zumbi também ganhou inesperada dimensão emocional.

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É daí que vem o apelo das narrativas de sobrevivência de The Walking Dead e The Last of Us, por exemplo - embora este último também sobre em subtexto político espinhoso. Não por acaso, nas últimas décadas o público encontrou muitos motivos para se relacionar a histórias de seres humanos sobrevivendo a horrores extraordinários. Enquanto os personagens processam o luto por entes queridos, encontram maneiras alternativas de moradia, constróem novos modelos de comunidade, esses dramas de horror baseados na mitologia do morto-vivo se posicionam quase como terapia: o “e se?” da ficção científica funcionando como uma forma confortável de conjecturar quem seríamos, e com quem seríamos, em um cenário apocalíptico que não parece mais tão fantasioso.

É nesse contínuo que se localiza Didn’t Die, adição independente ao subgênero, que foi exibido no Festival de Sundance 2025. O filme, dirigido e coescrito por Meera Menon (queridinha da TV com créditos em Ms. Marvel, Westworld e For All Mankind), nos joga de paraquedas no pós-apocalipse, onde conhecemos a jovem carismática vivida por Kiran Deol, que apresenta um programa de rádio/podcast popular entre os sobreviventes do vírus zumbi. Ela está em turnê pelo interior dos EUA, organizando edições especiais de seu programa em alguns lugares seguros de pequenas cidades - mas a parada mais recente da viagem, em sua terra natal, pode se provar muito mais complicada do que o esperado, seja pelos problemas familiares e afetivos que aparecem por lá ou pela inesperada evolução dos zumbis do lado de fora.

Fotografado em preto-e-branco ultra iluminado por Paul Gleason (que também é creditado pelo roteiro, ao lado de Menon), Didn’t Die é um filme de zumbis surpreendentemente diurno, que encontra nos raios de Sol e no quanto os mortos-vivos são capazes de infiltrá-los uma fonte inesgotável de ansiedade. Mas o P&B ajuda também para criar o clima de intimidade no qual o filme se desenvolve - muito mais interessada em fazer um drama de relações do que um épico de ação, a diretora Menon usa os zumbis como dispositivo de gênero (por vezes se enveredando mais pela comédia, por vezes pelo horror, mas sempre com um controle de encenação impecável), mas está de olho mesmo é na filosofia íntima da sobrevivência.

De certa forma analítico, o texto de Didn’t Die vai nos apresentando as opções humanas diante do apocalipse como se fosse um catálogo de loja: primeiro, o irmão mais novo da protagonista, em um estado de inércia governado pelo medo e pela negação do que é preciso para sobreviver; depois, o irmão mais velho e sua esposa, que apostam na autossuficiência e no isolamento, se apoiando na força de sua relação; ainda depois, a decadência do ex-namorado dela, que deixa sua subsistência deteriorar e foge das responsabilidades que se apresentam diante de qualquer vida humana (mesmo quando zumbis estão vagando por aí). No nexo entre todas essas escolhas, a personagem de Deol parece sempre à beira de uma crise, mas também retém algo de charmosamente eloquente, e insistente na necessidade de seguir adiante.

É ao encarnar na sua personagem central a mistura que ele mesmo quer fazer, entre draminha indie verborrágico, título de gênero espertinho e história honesta de sobrevivência, que Didn’t Die vai ganhando nossa simpatia. Suas limitações orçamentárias são óbvias, mas sua vontade genuína de contar essa história, incluindo (essencialmente) o seu posfácio cuidadosamente esperançoso, é ainda mais evidente.

Nota do Crítico
Ótimo
Didn't Die
Didn't Die

Ano: 2025

País: EUA

Duração: 89 min

Direção: Meera Menon

Roteiro: Meera Menon, Paul Gleason

Elenco: George Basil, Kiran Deol

Onde assistir:
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