Com mais de 30 anos de estrada e a posição permanente de grupo mais importante do rap nacional, o Racionais MC’s mudou o destino de muitos jovens de periferia no Brasil. Mano Brown, Ice Blue, KL Jay e Edi Rock transportaram a realidade da periferia Sul de São Paulo para o país com letras de cunho engajado sem deixar de lado o relato pessoal e confessional, então nada mais justo que os Racionais ganhem um documentário também contado da perspectiva dos integrantes, Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo.
O filme dirigido por Juliana Vicente mostra a origem e ascensão do grupo com cenas inéditas gravadas durante essas mais de três décadas do grupo, além de entrevistas. É um compilado com evidente valor nostálgico para os fãs do Racionais, que se vêm incluídos na narrativa na medida em que o filme permite traçar paralelos entre a obra e a própria vida do espectador, contanto que ele se enxergue nas letras de Brown ou na própria realidade de onde o Racionais saiu.
A vida nas periferias de São Paulo durante os anos 1990 e 2000 é o foco do resgate do filme, e a conexão com o presente se faz de forma dura: na constatação de que a realidade não mudou muito de lá para cá. Das Ruas de São Paulo Pro Mundo faz questão de denunciar a necropolítica usada contra as periferias e como ela pode empurrar as gerações que vivem nesses locais para situações de risco social.
Assim como Mano Brown canta em “Quando Vale o Show”, quando ele se descreve como um “moleque magro e fraco invisível na esquina” que “planejava chacina na minha mente doente”, a vulnerabilidade ainda joga muitos jovens para uma situação equivalente. O documentário pontua que o Racionais vem para organizar as ideias dessa parcela da população, a partir da crônica do dia a dia, e se as letras do grupo ainda são capazes de canalizar revoltas é porque essa crônica segue atemporal.
Essas características da trajetória do Racionais são evidenciadas em meio a lembranças hoje cômicas e relatos emocionados. Para equilibrar o tom, Juliana Vicente sobrepõe os relatos sobre a violência e o desamparo com fatos da vida pessoal dos rappers. Aliado a isso, a diretora tem consigo registros raríssimos que tornam seu trabalho de montagem uma viagem no tempo.
O documentário ainda expande sua análise para além do foco dos quatro Racionais quando aborda as raízes do rap nacional. Passando pelas apresentações de rua até os bailes black mais famosos e as primeiras gravadoras a abraçar o estilo no país, a produção faz uma leitura histórica do gênero que vai muito além dos quatro rappers. No caso do Racionais, o grupo alcançou sua autenticidade ao misturar as músicas e o estilo do hip-hop americano aos reflexos da realidade social do país.
Entretanto, por mais que tenha muitas vozes contando a história, o documentário vê a trajetória do grupo por uma única perspectiva, dificultando que a obra fure a bolha do público e tenha o benefício da contradição. Esse ponto, no entanto, não parece dizer respeito somente ao trabalho da produção, mas também ao estilo de documentários que a Netflix normalmente promove, priorizando histórias contadas pelos personagens em destaque, do ponto de vista oficial, com um fim acima de tudo didático e de certa forma passivo.
Bem produzido e embasado, Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo serve como uma aula sobre como a arte pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida das comunidades marginalizadas nas grandes metrópoles do país. Juliana Vicente tem ouro nas mãos em formato de arquivos e depoimentos e, como um ourives, molda um documentário cujo valor fundamental está na própria natureza do material.
Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo
Ano: 2022
País: Brasil
Classificação: 14 anos
Duração: 116 min
Direção: Juliana Vicente
Elenco: Ice Blue , KL Jay , Edi Rock , Mano Brown
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