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Doméstica | Crítica

Documentário oportuno contribui para esclarecer os problemas das relações de trabalho doméstico no Brasil

02.05.2013, às 21H32.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H57

No começo de Doméstica, um plano do lado de fora de uma casa modernista, em forma de cubo, vem acompanhado de uma pregação no rádio; o locutor fala de "uma ilha em que moravam o amor e a alegria". A associação que se faz - a casa é a ilha - não é estranha na cinematografia do diretor Gabriel Mascaro.

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Quando fez Um Lugar Ao Sol em 2009, Mascaro discutiu a realidade da elite que tem coberturas em edifícios em capitais brasileiras. A arquitetura e o urbanismo à brasileira como fatores de exclusão social também estão presentes em Doméstica, mas em menor grau. Diferentes espaços de convívio ajudam a entender um pouco a história de servilismo e paternalismo que marca a relação de patrões e empregados domésticos no país.

Aqui, a proposta de Mascaro é um pouco parecida com a de Prisioneiro da Grade de Ferro: passar aos documentados o poder sobre a captação das imagens. Em Doméstica, sete adolescentes ganham câmeras digitais para registrar, dentro de suas casas, durante uma semana, a rotina de suas empregadas. Depois, com o material bruto em mãos, Mascaro então edita como lhe convém.

O resultado não tem a preocupação de ser um manifesto poético, quase um testamento, como os vídeos que os presos do Carandiru de Prisioneiro da Grade de Ferro mandaram para o mundo. Quando os jovens patrões de Doméstica gravam e entrevistam seus empregados, em descanso ou em momentos de trabalho, o material carrega consigo a trivialidade de situações que se repetem sem mudança, dia após dia. (Não espere o exotismo pseudoantropológico de um Domésticas de Fernando Meirelles, portanto.) Ainda assim, não é difícil identicar ali as confusões entre público e privado que marcam a vida de quem mora com o chefe.

Mascaro conseguiu não apenas casos típicos de desvio comportamental - o jovem que vê a empregada como uma segunda mãe, o bebê da doméstica que a patroa trata como enteada -, que geralmente se transformam em jogos de poder e chantagem emocional, como também exemplos excepcionais de dependência, como do senhor de idade que virou empregado para sobreviver ou da doméstica, filha da caseira da bisavó da patroa, que passou a vida toda ao lado da chefe, como provavelmente sua mãe antes dela.

Essa pré-seleção que busca perfis extremos abre margem a críticas - mesmo um filme importante como Edifício Master é frequentemente diminuído por fazer um recorte social supostamente enviesado, que privilegia o estranho e o raro - mas sem dúvida rende grandes dramas. Neles percebemos como estão arraigadas no Brasil, de geração em geração, as desequilibradas relações de trabalho que se travestem de afeto - como diz aquele locutor do começo, para quem "só o tempo é capaz de entender um grande amor".

Se é de um problema geracional que, em boa parte, Mascaro está tratando, então o que o olhar dos adolescentes cinegrafistas pode acrescentar à discussão? O fato de empunhar uma câmera e, a partir daí, "perceber" a presença dos empregados transforma esse olhar? Não necessariamente, mostra Doméstica. O filme tem sido reprovado na imprensa por uma alegada falta de apuro estético, mas o fato é que o olhar do jovem patrão segue quase sempre inalterado, automatizado pela rotina. Não há uma troca.

No fim, é isso que torna Doméstica impactante mas tristemente insuficiente, como se fosse mesmo um filme inacabado. Na maioria das vezes, o olhar dos jovens só consegue pegar o que já lamentamos: uma dinâmica desigual de poder (a menina judia grava o depoimento da empregada em plongée), um desarranjo espacial (a distância da porta da sala à porta da cozinha parece um abismo, ou a empregada que come na mesa com todos mas dorme isolada num quarto do fundo) e o desrespeito à privacidade (o idoso, por ter virado empregado já adulto, é quem mais se esconde, mas a câmera invade seu quarto e o banheiro sem notar a vergonha).

Na verdade, a grande oportunidade que Doméstica traz é extrafilme. Com a aprovação da PEC das Domésticas, emenda constitucional que regulariza os direitos de diaristas, babás, jardineiros e motoristas particulares, o filme pode ajudar a entendermos melhor o servilismo no Brasil - uma questão que, a julgar pelo grosso do material coletado por Mascaro, era desimportante para quem se acostumou a ignorá-la.

Doméstica | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Bom
Doméstica
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Ano: 2012

País: Brasil

Classificação: 12 anos

Duração: 75 min

Direção: Gabriel Mascaro

Onde assistir:
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