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Comecemos pela imortalidade. Shakespeare já enunciava em sua literatura clássica os conflitos entre o espaço que a sociedade distribui ao homem e à mulher. Em seu texto Twelfth Night, or What You Will, exploram-se os preconceitos e a intolerância por causa de uma travestida teatral. É bom lembrar que, nessa época do classicismo bretão, as mulheres eram proibidas de subir ao palco, cabendo aos homens a transexualidade facial, gutural e indumentária para a interpretação de personagens femininos. Tal tema gerou os recentes filmes A Bela do Palco (2004) e O Libertino (2005), que mergulham na questão com uma certa profundidade, honestidade e conhecimento de causa, sem deixar de lado sua ironia decorrente.
Mas vamos pular um pouco a parte dos versos alexandrinos e ir direto ao ponto: Estados Unidos, século 21, molecada, esportes. Viola (Amanda Bynes), que nada tem a ver com o sumido atacante do Corinthians, mas também é obcecada por futebol, fica furiosa ao saber que a sua escola cancelou as atividades do time feminino. Aproveitando que seu irmão gêmeo e sonso Sebastian (James Kirk) odeia a peleja e sonha em ser músico viajando escondido para Londres, ela se disfarça do mano bivitelino e vai para a escola dele tentar uma vaga no time de futebol masculino. Daí pra frente surgem situações pra lá de previsíveis e desgastadas, como mulher-que-se-passa-por-homem-se-apaixona-por-homem, mulher-se-apaixona-por-mulher-pensando-que-a-outra-mulher-é-homem, e por aí vai. Claro que não poderiam faltar as obviedades das supostas "descobertas", como as manjadas situações em vestiário. Tudo isso com um tempero adicional de coadjuvantes supostamente bizarros e anti-sociais, como o professor aloprado que é o sósia do político Enéas.
A proposta de Ela é o cara (Shes the man, 2006) encontra-se equivocada a partir de seus elementos básicos. Amanda Bynes é uma aspirante a Hilary Duff, sem o carisma e a conta bancária da comparada. Bonitinha mas descartável, ainda precisa comer muito hambúrguer com fritas pra chegar à promissora Lindsay Lohan, que veio se especializando em filmes do gênero e, com isso, hoje tem o timing perfeito pra desempenhar seus vários papéis de um personagem só. Bynes é durinha, obedece cegamente às ordens do estúdio mas não consegue extrair graça desses comandos automáticos. Nas cenas em que tenta copiar os estereotipados trejeitos masculinos, passa a impressão de que qualquer patricinha poderia desempenhar seu papel à altura.
Seja por um problema de elenco travado, ou mesmo de burrice do diretor e produtor pra entender o roteiro, o fato é que essas situações de andar na rua coçando o saco, bater nas costas do colega em sinal de cumprimento, ou engrossar a voz pra se passar por uma pessoa machona ficam caricatas demais. Até mesmo o Mister Magoo seria capaz de reconhecer que há algo de estranho na personagem pseudo-lésbica. Falta muito da compreensão dos universos masculino e feminino e, em troca, o que se vê é pura e simplesmente o mimetismo raso.
Esse tema, que já gerou Madame Butterfly, aqui é representado como uma brincadeirinha de recreio na sua perigosa busca pela despretensão. Ela é o cara é tão contido quanto as protuberâncias mamárias esparadrapadas por baixo da camisa 10. Nem o mais prestativo dos gandulas conseguiria correr atrás dessa bola fora.
Érico Fuks é editor do site cinequanon.art.br
Ano: 2006
País: EUA
Classificação: LIVRE
Duração: 105 min
Direção: Andy Fickman
Roteiro: Ewan Leslie, Karen McCullah Lutz
Elenco: Amanda Bynes, Channing Tatum, Laura Ramsey, Vinnie Jones, David Cross, Julie Hagerty, Robert Hoffman, Alexandra Breckenridge, Jonathan Sadowski, Amanda Crew, Jessica Lucas, Brandon Jay McLaren, Clifton MaCabe Murray, James Snyder, James Kirk