Uma impessoalidade dá o tom de início em Ela Volta na Quinta (2014). Uma senhora na sala de casa, no contraluz da janela, tapa o rosto com a mão e desmaia; fica difícil identificá-la. Seu marido, funcionário de uma assistência técnica, se cerca de frieza de dia, com suas peças e seus prazos; à noite o casal desaparece no escuro do quarto. Os filhos adultos vêm visitá-los, ficam assistindo a montagens engraçadas no YouTube.
Sem necessariamente transformar isso num tema, o primeiro longa do ator e diretor André Novais Oliveira (que aqui coloca sua família para interpretar papéis "cuja semelhança com a realidade é só mera coincidência", dizem os créditos finais) examina como a rotina e nossa relação automatizada com os outros e com o mundo anestesiam nossos sentidos. Impessoalidade, privacidade e introspecção se confundem em Ela Volta na Quinta, até que comece de fato a trama sobre o casal que está se separando depois de décadas de casamento.
À medida em que a câmera de Novais vai deixando o ambiente doméstico e ganhando a rua, e transformando a rua num espaço não apenas de trânsito mas de convivência para esses personagens, então seus dramas se desvelam para nós, como se a família de Novais adquirisse, pela necessidade de se entender, uma consciência de estar no mundo. É um processo de melancolia - embalado por uma trilha com direito a trompete e surdina, como se estivéssemos de novo com Bernard Herrmann em Taxi Driver tentando encontrar uma razão de ser no tráfego da cidade - mas também de certa beleza, de descoberta.
Assim como outros filmes brasileiros que vieram na esteira de Cão sem Dono (2007) - uma das principais referências não assumidas do cinema nacional hoje no trato do espaço público como um local de reflexão e resolução de nossos dramas de convivência privados - Ela Volta na Quinta não parte de uma posição politizadora. Antes de ver a rua como terreno de conflitos ou de apaziguamentos, Novais faz o flanar urbano, sentado com a câmera no banco do carona enquanto seu pai dirige, como parte de uma busca tensa, constante e bastante decidida, ainda que seja uma busca sem nome ou aparente finalidade.
E de repente os irmãos que riam no YouTube passam a discutir paternidade, moradia, e os pais que pareciam só preocupados com o trabalho doméstico e fora de casa também percebem sua relação se transformar. Já há algum tempo o exílio, elemento central nos filmes da Retomada, deixou de ser uma opção do cinema nacional capaz de dar conta dos nossos dramas, e o próprio título do filme sugere que é hora de as coisas se resolverem no aqui e no agora, embora os deslocamentos frequentemente assumam características de fuga.
Novais propõe com seu longa uma dramaturgia que parte da intimidade, do caseiro, do secreto (às vezes até do vergonhoso), e se resolve socialmente, na alteridade, sem escândalos. Não é pouca coisa. E esse caminho pra fora talvez seja, como canta Paulinho da Viola em "Nada de Novo" - num dos momentos de catarse possível de Ela Volta na Quinta -, algo capaz de despertar a alegria, apesar da tristeza no peito.