Estranha Forma de Vida atende as fantasias sobre Pedro Pascal pela metade

Créditos da imagem: Mubi/Divulgação

Filmes

Crítica

Estranha Forma de Vida atende as fantasias sobre Pedro Pascal pela metade

Curta-metragem de Pedro Almodóvar se equilibra entre a autoconsciência e a paródia

Omelete
4 min de leitura
13.09.2023, às 15H05.

Para Julio Cortázar, um dos mestres latinoamericanos do conto, uma maneira de diferenciar o romance desses textos mais curtos é que o romance frequentemente se encarrega de apresentar problemas, para então buscar solucioná-los. “Já os contos nunca ou quase nunca são problemáticos”, disse o escritor, para quem os contos são antes experiências autocontidas de um tipo de arrebatamento. Numa equivalência com os curtas-metragens, dá pra dizer que Estranha Forma de Vida funciona melhor como conto: é um filme bom em sugerir um estado de espírito ou uma comoção, e não tão bom para lidar com problemáticas.

A comoção mais imediata é anterior ao filme: a expectativa de ver Pedro Pascal interpretando um vaqueiro gay, como se as variações de caubóis que ele fez em Mandaloriano e The Last of Us tivessem sido um preparativo para o curta de Almodóvar. Essa sensação vem, em boa medida, de uma noção consagrada de que o faroeste não consegue lidar com sua tendência homoerótica em condições normais, e que é preciso subir a temperatura para que esses vapores se manifestem. É como se Pascal tivesse sido cozinhado desde os tempos de Oberyn Martell numa receita de sexploitation que só agora está sendo servida de fato.

O filme lida com as expectativas dessa objetificação de forma frontal, como é costumeiro de Almodóvar. Ele não se faz de rogado e - mesmo por conta da limitação do tempo - já deixa logo claro que os personagens de Pascal e Ethan Hawke têm uma paixão mal resolvida, e que depois de 25 anos eles se reencontram e podem resolver suas pendências. Como é típico nos filmes do espanhol, esse reencontro é motivado também pelo acaso, um crime que faz cruzar destinos vários e que inevitavelmente resultará em fatalidade.

A ideia dos encontros de destino e das promessas a se cumprir é recorrente em Almodóvar mas é também muito comum no western. Nesse sentido, o espanhol não parece deslocado ao se aventurar no gênero, e os melhores momentos do curta são aqueles em que o cineasta conscientemente recodifica situações típicas do Velho Oeste, como as brigas que fazem da terra seca uma nuvem de poeira (por trás dessa nuvem aqui, já sabemos, há todo o teor erótico sendo desvelado). Estranha Forma de Vida funciona como “conto” na medida em que compila esses pequenos momentos esperados de um faroeste (a refeição, o amanhecer, a cavalgada, o duelo) para fazer um modesto e elusivo filme-comentário sobre si.

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Isso não impede, porém, que muita coisa no curta adquira um tom de farsa, como se Hawke e Pascal estivessem protagonizando, na verdade, uma paródia setentista de western. (Os anos 1970 foram os anos do sexploitation mas foram também os anos das paródias como Banzé no Oeste, num período em que se julgava o western comercialmente esgotado para além da ridicularização ou do capricho de autor.) O filme de Almodóvar não chega a ser um esquete cômico com Rock & Hudson, os caubóis gays do cartunista Adão Iturrusgarai, mas é evidente que tudo no filme opera de modo deslocado do realismo, dos quadros na parede aos figurinos bancados pela grife que produz o curta.

Justiça seja feita, tudo isso no curta é intencional. O melodrama se presta normalmente a andar nessa navalha do ridículo - Almodóvar sempre soube disso e usou a seu favor - mas talvez o faroeste não lide tão bem, como gênero histórico e autocontido, com esses deslocamentos de registro. Estranha Forma de Vida fica sempre a um passo da paródia, mesmo por abraçar seus personagens antes de tudo como estereótipos de uma mitologia dada e consagrada.

Uma maneira de oxigenar esses estereótipos e lhes dar uma vida mais autônoma, fazer desses personagens duas pessoas com histórias de fato, seria escolher o longa-metragem. Daí a problemática poderia realmente se desenrolar a contento. Com sua meia hora de duração, porém, Estranha Forma de Vida só começa a esboçar uma narrativa desse tipo. Almodóvar está tentando criar uma versão mais compacta da sua tradicional rede sufocante de acasos, mas aqui essa operação não tem o efeito desejado; os acasos são apenas convenientes e a força do destino resulta efêmera. De qualquer forma, o público já tem um longa-metragem que misturava melodrama e faroeste de um jeito mais efetivo, então talvez só seja o caso de encontrar nos streamings uma reprise de O Segredo de Brokeback Mountain (2005).

Para citar novamente Cortázar, que parafraseia Umberto Eco, o romance é melhor lido como uma obra aberta, enquanto o conto será sempre algo que se encerra sobre si de maneira fatal, diz o argentino. Estranha Forma de Vida termina insuficiente nesse sentido, porque sua narrativa parece toda um aquecimento para um desfecho mais dramático, ainda mais passional. Isso fica óbvio quando Almodóvar se vê impelido a responder, em entrevista, como imaginaria a vida dos personagens de Pascal e Hawke num futuro hipotético. Se serve de consolo, o espanhol responde essa pergunta na boa entrevista que está sendo anexada às sessões do curta nos cinemas.

 
Nota do Crítico
Regular

Estranha Forma de Vida

Strange Way of Life

Ano: 2023

País: Espanha

Classificação: 12 anos

Duração: 31 min

Direção: Pedro Almodóvar

Roteiro: Pedro Almodóvar

Elenco: Ethan Hawke , Pedro Pascal

Onde assistir:
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