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Crítica

Fale Comigo é terror moderninho e instantaneamente icônico

Dupla de YouTubers Michael e Danny Philippou focam no luto jovem com respeito e autenticidade

Omelete
4 min de leitura
09.08.2023, às 11H00.
Atualizada em 10.08.2023, ÀS 14H58

Fale Comigo começa com um garoto deixando uma festa quase inconsciente enquanto todos os presentes, ao invés de ajudar, formam uma horda de celulares para filmar. Essa relação anestesiada com a realidade é a base do filme, em que um grupo de jovens pratica rituais macabros de receber e incorporar espíritos absolutamente sem cerimônia, como uma prática estimulante e entorpecente. A brincadeira envolve um público espectador, e a tradição é filmar o rito e publicar nas redes. Tudo isso poderia soar como um episódio ruim de Black Mirror sobre nossa relação com a tecnologia e o entretenimento. Mas a dupla de diretores Michael e Danny Philippou tem muito respeito pelos seus protagonistas - e pela história que contam - para deixá-los cair na crítica clichê. 

Irmãos gêmeos australianos saídos de um canal de YouTube de público jovem, os Philippou sabem muito bem de quem e com quem estão falando, e criam conexões com as figuras que colocam na tela porque focam em suas dores. Veja, não é que o desprezo do grupo pelo absurdo do que se passa em cada ritual não seja algo de levantar sobrancelhas. Mas é admirável o retrato gentil que Fale Comigo faz de seus carismáticos e irresponsáveis personagens. Eles não são descartáveis, ridículos ou despropositados, como bem poderiam ser no gênero do terror. Fale Comigo não quer eliminá-los - ele quer entendê-los.  

Liderando essa jornada surpreendentemente emocional está Mia, assombrada pela morte recente da mãe e pela falta de diálogo com seu pai. Ela definitivamente não é a garota mais popular da escola e procura conforto na família de uma melhor amiga que parece até incomodada com sua presença. Enquanto busca conexão com a família de Jade - em seu irmão mais novo Riley e sua mãe, Sue -, Mia só encontra um vínculo real com a mão sinistra que protagoniza o ritual, acionada pelas simbólicas palavras “fale comigo”. 

Claro que a iniciação leva Mia a uma derrocada emocional difícil de ver, impulsionada por um ritual perturbador que dá errado demais e impacta de modo permanente não só ela, como Jade, Riley, Sue e por aí vai. Tateando um novo universo marcado pelo lento ressurgimento da figura de sua mãe, Mia sai do lugar de jovem incompreendida para uma jornada de desconexão e perda - e Fale Comigo constrói uma inversão de seus personagens de forma orgânica, fazendo de nós testemunhas empáticas de tudo de errado que se passa na tela. 

O que antes parecia só um terror adolescente ancorado no trauma agora carrega muito mais peso, violência e sangue do que o começo estipulava. À medida que vamos adentrando esse universo e aceitando as regras do ritual, Fale Comigo também vai se desvendando como um terror cheio de interpretações, que permite diferentes teorias. No retrato da experiência coletiva ritualística, também chama atenção a necessidade de compartilhamento, um que distrai todos os nossos personagens do potencial real de conexão oferecido pela cerimônia. 

Tudo isso soa dramático, mas é muito mais o resultado final de Fale Comigo que deixa este gosto, porque o desenvolvimento do terror dos Philippou é envolvente, divertido e bizarramente intenso. É o tipo de terror que te deixa na beira da poltrona, roendo as unhas e torcendo por Mia, mesmo que ela tome diversas decisões erradas. O sentimento é familiar no terror, claro, mas Fale Comigo aciona isso através da empatia e da compreensão, e não só do carisma: Mia toma decisões ruins, mas nunca burras - e por isso estar ao seu lado é uma decisão difícil, mas inevitável. 

Enquanto a direção dos Philippou não está realmente interessada em chamar atenção para a estilização, a dupla sabe deixar sua marca aqui e ali, em tomadas que instigam pela quebra de expectativa, e no uso de uma trilha sonora e um design de som que compõe muito bem o resultado geral de Fale Comigo. Mais do que isso, não é exagero dizer que os irmãos criam um terror imediatamente icônico, com uma mão tenebrosa difícil de esquecer e um visual marcante para cada um dos espíritos que surgem em tela. Nessa obra completinha, para além da narrativa construída, é preciso ressaltar também a atuação de Sophie Wilde, que sabe se divertir nos momentos de possessão ao mesmo tempo que dá peso e ritmo à decadência de Mia.

É difícil escapar da expectativa de Fale Comigo. Não bastasse a circulação de avaliações estrangeiras elogiosas muito antes da estreia por aqui, o hype vai crescendo conforme chegam notícias de prelúdios planejados e sequências já confirmadas. Por mais que isso crie uma promessa grande demais para carregar, é até bizarro que Fale Comigo seja surpreendente mesmo assim. Mas esse novo terror já é tão original quanto clássico, diferente e divertido de assistir. 

Nota do Crítico
Excelente!
Fale Comigo
Talk To Me
Fale Comigo
Talk To Me

Ano: 2022

País: Austrália

Direção: Michael Philippou, Danny Philippou

Roteiro: Bill Hinzman, Danny Philippou

Elenco: Joe Bird, Alexandra Jensen, Sophie Wilde, Miranda Otto

Onde assistir:
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