"Eu sempre quis ser mafioso, desde que me lembro", diz Ray Liotta na célebre frase que abre Os Bons Companheiros, um filme que não precisaria ser citado literalmente em A Família (The Family) para entendermos o tipo de cinefilia que sempre moveu Luc Besson e o move nesta comédia de máfia em particular.
a familia
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Robert De Niro vive Giovanni, um ex-mafioso de Nova York que entra para o serviço de proteção à testemunha do FBI quando depõe contra a "Famiglia". O filme começa quando ele se muda para uma cidadezinha na Normandia com mulher (Michelle Pfeiffer) e filhos (Dianna Agron, John D'Leo), protegido por um oficial da agência (Tommy Lee Jones).
É impagável a hora em que o personagem de De Niro abre um sorriso ao descobrir que o cineclube da cidadezinha vai exibir Goodfellas, uma referência que qualquer fã de cinema identifica, mas a relação cinefílica que Besson quer estabelecer aqui é mais específica. Do choque cultural vêm as piadas do filme, mas, mais do que isso, colocar americanos num ambiente francês é o primeiro sinal de que Besson está interessado mesmo em falar dessa admiração que o cinema francês nutre pelo cinema de gênero hollywoodiano - no caso, o filme de gângster.
O que temos então é um filme de máfia com personagens que soam como caricaturas saídas de quadrinhos francobelgas (o nariz do assassino parece feito de cera, as espinhas dos adolescentes da Normandia também devem ser obra de maquiagem), situações que ecoam as próprias obsessões de Besson (a lolita que desabrocha para o sexo e a violência não poderia faltar) e comentários sobre o senso de comunidade da sociedade europeia versus o da própria máfia.
Esse último é o aspecto mais interessante do filme, quando Giovanni resolve acabar, à sua maneira, com os problemas burocráticos da cidadezinha. É quando percebemos que A Família não é só um exercício de fã, mas também um filme inteligente sobre as falhas do secularismo europeu: às vezes é preciso iniciativa "privada" para acabar com a morosidade da suposta coletividade do Velho Mundo. Como não poderia faltar, nesse sentido, sobra também para a Igreja Católica, a mais antiga das instituições europeias, debochada em um par de cenas.
A Família segue nesse tom até o fim, alternando momentos sublimes (o flashback do colorido churrasco de subúrbio, com a Nova York cinzenta ao fundo no horizonte, é uma licença poética das mais justificáveis) e outros de franca inconsequência (uma cena de chegada de trem que, para citar Sergio Leone, vai buscar a música do Gorillaz que se chama "Clint Eastwood").
Se o desfecho pode soar inconclusivo, é porque o espectador talvez estivesse prestando atenção no lugar errado: a lição no fim são os franceses que aprendem, e não os americanos, que na visão de Besson são um produto acabado, desde sempre pronto para ser assimilado.
A Família | Cinemas e horários
Ano: 2013
País: EUA, França
Classificação: 16 anos
Duração: 110 min