Filmes

Crítica

Gemma Bovery | Crítica

Adaptação de quadrinhos, filme usa referência clássica para abordar a modernidade

06.08.2015, às 18H56.
Atualizada em 06.11.2016, ÀS 20H06

Se no mais famoso romance de Gustav Flaubert, Madame Bovary, uma mulher casada se deixa levar por paixões e os personagens se acabam por suas escolhas erradas, retratando de certa forma a estupidez humana, no filme Gemma Bovery, de Anne Fontaine, o fim trágico é traçado pelo tédio e por outras questões que o sociológo Zygmunt Bauman chamaria de amor líquido e mal estar da pós-modernidade.

Eles vão se matar”, diz Martin Joubert (Fabrice Luchini), o padeiro entediado que acredita que pela coincidência dos nomes e de outros detalhes os seus vizinhos vindos de Londres, Charles e Gemma Bovery (Jason Flemyng e Gemma Arterton), imitarão o destino trágico dos personagens de Flaubert. Apaixonado por literatura, Martin deixou a vida de intelectual em Paris alguns anos antes e foi assumir a padaria do pai em uma cidadezinha na região da Normandia, onde, diz ele "viver é um negócio levado muito a sério".

No entanto, nenhum desses personagens fugidos da cidade grande em busca de calma conseguem se sair muito bem nesse negócio de viver a vida na província, onde o pão é feito a mão, os vizinho se conhecem e o tempo não falta. É a insatisfação com a própria vida e o encantamento pela esposa do vizinho que fazem Martin furtar os diários de Gemma depois da tragédia que deixa Charlie inconsolável.

A narrativa começa justamente quando o padeiro, diante dos relatos da moça, mistura sua leitura com os fatos que presenciou, criando assim, como em um filme de Woody Allen, uma trama que vaga pela imaginação daquele homem que só vê interesse na vida que não lhe pertence. E, sendo ele o narrador da história, não seria por acaso que a sonoridade de seu sobrenome também se assemelha à de Flaubert.

00:00/06:41
Truvid
auto skip

O longa não é bem uma releitura do livro do francês, mas sim uma adaptação dos quadrinhos de Posy Simmonds que, por sua vez, tem Madame Bovary como referência. Ao contrário da personagem clássica da literatura, a Gemma de Fontaine não é levada a trair o marido por paixões lascivas somadas às ilusões por luxo, dinheiro e beleza. Ela despreza a ostentação dos vizinhos novos-ricos, não cria dívidas por vestidos e se entrega ao jovem conquistador sem precisar de uma carruagem. É tédio que a impulsiona: os poucos anos de convivência já esgotaram seu interesse por Charlie, os amigos afeitos ao luxo a entediam tanto quanto a família do padeiro.

O filme aborda o mal irremediável da insatisfação moderna. Martin se revolta quando a esposa e o filho o escutam falar de literatura e mudam o assunto para filme e videogames, já que o déficit de atenção pede por rapidez. A vizinha francesa casada com o inglês retrata a nova França que já se rendeu à influência americana, ao liberalismo e deixou o wellfare state de lado. Todas as personagens sofrem de uma certa ansiedade, e não se contentam com as escolhas que fizeram diante de tantas opções de mudança mundo a fora.

Ao mesmo tempo, a ânsia e o tédio evidenciam uma falta de identidade e de autoconhecimento que vai do francês que não se vê como parte de uma nação, à mulher que não quer ser de um homem só, mas não sabe ser apenas de si mesma. Talvez, a busca pela identidade seja a razão pela qual Martin tenta tanto encaixar os vizinhos exóticos em quadros de personagens bem definidos. Fontaine trabalha bem essa questão ao encaixar perfeitamente a trilha sonora britânica nos cenários franceses e ao variar entre uma câmera íntima, que se aproxima de atuações minimalistas, e momentos de exagero que exaltam a beleza de Gemma potencializada pela narrativa de Martin.

Se o romance de Flaubert demonstra a ascensão de uma sociedade científica, onde as paixões levam a humanidade às ruínas, mas já sem as glórias de um tempo anteror, o longa de Fontaine mostra o declínio dessa sociedade que se vê esgotada com as pressões da vida caótica e globalizada, mas que já perdeu a capacidade viver na simplicidade - e conviver consigo mesma.

Nota do Crítico
Ótimo

Comentários (0)

Os comentários são moderados e caso viole nossos Termos e Condições de uso, o comentário será excluído. A persistência na violação acarretará em um banimento da sua conta.

Login

Criar conta

O campo Nome Completo é obrigatório

O campo CPF é obrigatório

O campo E-mail é obrigatório

As senhas devem ser iguais

As senhas devem ser iguais

As senhas devem ser iguais

O campo Senha é obrigatório

  • Possuir no mínimo de 8 caracteres

  • Possuir ao menos uma letra maiúscula

  • Possuir ao menos uma letra minúscula

  • Possuir ao menos um número

  • Possuir ao menos um caractere especial (ex: @, #, $)

As senhas devem ser iguais

Meus dados

O campo Nome Completo é obrigatório

O campo CPF é obrigatório

O campo E-mail é obrigatório

As senhas devem ser iguais

As senhas devem ser iguais

As senhas devem ser iguais

Redefinir senha

Crie uma nova senha

O campo Senha é obrigatório

  • Possuir no mínimo de 8 caracteres

  • Possuir ao menos uma letra maiúscula

  • Possuir ao menos uma letra minúscula

  • Possuir ao menos um número

  • Possuir ao menos um caractere especial (ex: @, #, $)

As senhas devem ser iguais

Esqueci minha senha

Digite o e-mail associado à sua conta no Omelete e enviaremos um link para redefinir sua senha.

As senhas devem ser iguais

Confirme seu e-mail

Insira o código enviado para o e-mail cadastrado para verificar seu e-mail.

a

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.