Hermanoteu na Terra de Godah vira filme com mais história, mas menos graça

As diferenças entre Hermanoteu na Terra de Godah, o filme, e a consagrada peça de teatro da trupe Melhores do Mundo são conspícuas. Esquetes inteiros são movidos de lugar, piadas e personagens são adicionados e cortados da trama por vários motivos - mas é um complemento específico, criado para a tela grande, que salta aos olhos e revela um pouco mais das aparentes ansiedades dos roteiristas envolvidos na produção.

Trata-se de uma seção narrativa ambientada nos dias atuais, em que um papa recém-eleito (Jonas Bloch) recebe de um padre dedicado (Marcos Caruso) uma narrativa completa da história secreta de Hermanoteu. Este é um segmento praticamente desprovido do humor que caracteriza o restante da peça e da adaptação (mesmo que Caruso tente fazer rir com seus maneirismos exagerados e pendor a fazer “suspense” no meio da história), e a sensação é que ele foi colocado aqui por medo de que a história de Hermanoteu parecesse “despropositada”, de alguma forma, fora do ambiente mais relaxado do teatro.

Quando nos sentamos em nossa sala para assistir a um filme, parecem pensar os integrantes da Melhores do Mundo, queremos que esse filme nos convença que foi uma boa ideia assisti-lo. Sem a camaradagem que nasce de um teatro lotado rindo das mesmas coisas, dos intérpretes no palco reagindo ao volume da risada ou às provocações do público, sem a quarta parede aberta para a qual os atores sempre podem se dirigir, Hermanoteu na Terra de Godah parece constantemente se entender como uma obra com algo a provar.

À parte das cenas do novo papa, o longa acompanha a história de Hermanoteu (Ricardo Pipo), um trapaceiro da Pentescopéia na época do Velho Testamento, que é visitado por um anjo e encarregado da missão de encontrar a terra de Godah, um lugar misterioso de quem ninguém parece ter ouvido falar. Relutantemente (e em parte para fugir da guarda romana), ele deixa a terra natal em uma viagem que se provará épica, incluindo passagens pelas cortes de César e Cleópatra, além de uma estadia com Jesus Cristo e seus apóstolos.

Apresentada pela primeira vez em 1995, Hermanoteu na Terra de Godah virou fenômeno nos primeiros anos do YouTube brasileiro (uma rápida pesquisa na plataforma de vídeo encontra várias gravações completas da peça com milhões de visualizações), e marcou alguns nomes de personagens e piadas no consciente coletivo de toda uma geração. Vários desses gracejos são repetidos aqui - alguns provando-se sólidos por funcionarem em qualquer contexto (dificilmente as reações dos personagens ao ouvir o nome de Micalatéia, irmã de Hermanoteu, falham em provocar um sorrisinho), e outros perdendo o brilho pela filmagem confusa do diretor Homero Olivetto (infelizmente, o antológico relato de Isaac sobre a travessia do Mar Vermelho é um desses momentos).

Curiosamente, o efeito da transposição para o cinema, que tira o fator nostálgico de alguns esquetes, faz com que momentos e diálogos menores se destaquem mais. As tiradas das versões de Jesus Cristo (“muita conversinha paralela!”) e de Satanás (“minhas rôpa no varal!”) do filme arrancam risos inesperados pelo anacronismo com a época retratada, uma aposta simples e recorrente que está na própria fundação da graça de Hermanoteu. Enquanto a versão da história católica apresentada pelos especiais do Porta dos Fundos é ácida e crítica, por exemplo, a da Melhores do Mundo tem na bobeira inofensiva desse tipo de humor sua maior virtude.

É verdade que o filme desenha uma jornada de herói mais clara, e até bastante eficiente, para o seu protagonista. Aqui, Hermanoteu realmente passa por uma transformação, enquanto a passividade do personagem no teatro servia de escada para os delírios cômicos (improvisados ou roteirizados) das figuras que ele encontrava. Também é verdade que o investimento na produção é alto, e gera frutos: as tomadas feitas no deserto do Atacama, embora costuradas de forma meio estabanada com o material de estúdio, são impressionantes, assim como os poucos efeitos especiais a que o filme se permite.

Essas são recompensas magras, no entanto, para o parcial esvaziamento de uma obra cômica que, por todos os seus aspectos mais discutíveis (o tom homofóbico das piadas com César, inexplicavelmente, não mudou na adaptação), foi marcante de toda uma época de transição para os espectadores e para o formato 

Hermanoteu na Terra de Godah

Ano: 2021

País: Brasil

Duração: 84 min

Direção: Homero Olivetto

Elenco: Milton Gonçalves , Marcos Caruso , Adriana Nunes , Welder Rodrigues , Ricardo Pipo , Jonas Bloch

Onde assistir:

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