A durabilidade e o impacto cultural do slasher, entre todos os subgêneros de terror que surgiram e morreram (e ressuscitaram, é claro) com o passar das décadas, é acima de tudo um testamento da sua excelência em cumprir a missão essencial do filme de horror: trazer à tona as paranoias e neuroses do seu tempo. Essas histórias de jovens adultos perseguidos por assassinos que simbolizam os pecados e julgamentos silenciosos do mundo frequentemente se revelam, diante de uma inspeção cuidadosa, teatros extrapolados de brigas geracionais aquecidas ao ponto de ebulição, que transbordam em uma violência catártica e eticamente complicada. Estamos do lado do assassino, ou da final girl? Bom, depende, e esse cabo de guerra é toda a graça do slasher.
Como acontece com todo subgênero, no entanto, as regras do slasher envelheceram, se desgastaram pela repetição, se distorceram diante de sequências, reboots e retcons intermináveis, enfim, viraram motivo de zombaria. Daí que os millennials e a geração-Z conhecem essas histórias de assassino quase exclusivamente como sátiras, caricaturas de si mesmas que comentam mais sobre a fórmula cínica do horror do que sobre o conteúdo que ele mina para causar desconforto - Pânico e Eu Sei o que Vocês Fizeram para os mais velhos, Morte. Morte. Morte. e A Morte te Dá Parabéns para os mais novos. Hora do Massacre está aqui para (tentar) preencher essa lacuna.
Primeiro, o filme trata de reconhecer a rigidez das amarras impostas pelo slasher - e de desatá-las com habilidade surpreendente. A junção virtuosa do roteiro do italiano Alberto Marini (um dos criadores da franquia [Rec], que revitalizou brevemente os filmes de zumbis e o found footage lá no final dos anos 2000) e da direção do trio RKSS (estabelecidos como magos da nostalgia oitentista com Turbo Kid e Verão de 84) faz de Hora do Massacre uma coleção de subversões simples, executadas sem muitas firulas, mas cumulativamente prazerosas: quem usa a máscara são as vítimas, e não o assassino; a final girl cresce de coadjuvante a protagonista no terceiro ato e termina nem tão final girl assim; a normalidade tranquila do epílogo é quebrada não por uma ressurreição chocante, mas por uma piada violenta e cruel, e por aí vai.
Melhor ainda, todas essas mudanças de marcha não são gratuitas - elas estão aqui para assegurar que o espectador esteja de guarda baixa para receber a provocação afiada que o filme esconde na manga. Ou ok, talvez ele não esconda tão bem assim: a trama acompanha um grupo de ativistas ambientais que invade uma loja de departamentos para vandalizá-la durante a noite, como protesto pelo uso de madeiras de lei nos móveis vendidos por lá. Eles são confrontados, no entanto, por um segurança noturno que encarna o tipo machão inepto que virou estereótipo dos incels e terroristas de extrema-direita, com sua obsessão insegura pela caça e pela masculinidade primitiva explodindo em desdém pela geração que borra as linhas que ele precisa tão desesperadamente cristalinas para se sentir bem consigo mesmo.
O antagonista é também, no entanto, só mais uma engrenagem na enorme máquina capitalista que os jovens ativistas tanto anseiam em desmontar. A sua relação contenciosa com o irmão alcoólatra, que o acompanha no trabalho, a necessidade de manter o emprego, a precariedade e o desespero para reverter o estrago causado pelos protagonistas… bom, nada disso é monstruoso, na verdade. Como todo bom slasher, Hora do Massacre mina sua tensão do cruzamento de moralidades dentro de um sistema que não as suporta como possíveis. Para o mundo ao redor desses personagens que guerreiam pela sobrevivência, afinal, todos eles são igualmente descartáveis - e, apesar de todo o sangue derramado, nada realmente muda no final.
Sintoma de uma contemporaneidade terminalmente acostumada à violência e ao seu ciclo interminável, o slasher sempre funcionou como catarse e alfinetada. Sem inventar demais, Hora do Massacre o resgata em ambas as potencialidades.
Hora do Massacre
Wake Up
Ano: 2023
País: França/Canadá
Duração: 83 min
Direção: RKSS
Roteiro: Alberto Marini
Elenco: Benny O. Arthur , Turlough Convery , Tom Gould , Jacqueline Moré
Comentários (0)
Os comentários são moderados e caso viole nossos Termos e Condições de uso, o comentário será excluído. A persistência na violação acarretará em um banimento da sua conta.
Faça login no Omelete e participe dos comentários