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Terrir foi o nome dado aos filmes que esteticamente pertencem ao gênero terror, mas que só conseguem provocar gargalhadas na platéia. Normalmente são produções que têm uma história inverossímil, cenários, figurinos e interpretações ridículas. O roteiro é de fazer inveja às histórias do Pantaleão, personagem criado pelo humorista Chico Anysio que não conseguia dizer 3 palavras sem mentir.
O diretor tupiniquim Ivan Cardoso é praticamente o único representante legítimo do estilo no Brasil. Desde 1970 ele vem produzindo paródias de curtas, trailers, cinejornais e documentários abusando do gênero. A Marca do Terrir (2005) é uma tentativa de apresentar esse trabalho excêntrico (e muito original) aos que nunca tiveram uma oportunidade de conhecê-lo. Trata-se de uma cinebiografia que resgata a antológica série Quotidianas Kodak, sempre registrada por uma câmera super 8. Tudo é realizado com o mesmo grupo de atores, denominado Ivamps, composto pela sua mulher, Helena Lustosa, e amigos como Ricardo Horta, Zé Português, Cristiny Nazareth e Afonso Pena.
Um dos expoentes desse material é o Nosferatu do Brasil, estrelado pelo tropicalista Torquato Neto. Imaginem um típico hippie dos anos 70 caminhando com uma capa pelas praias cariocas em busca de moças para saciar seu apetite por sangue. Tudo é feito de forma tão avacalhada, que se torna uma pérola do bom humor. Acompanhando o Nosferatu, Ivan fez uma colagem nervosa de todo o seu material. É um verdadeiro desfile de mulheres nuas, homens pelados, matança regada a ketchup, uma castração com uma tesoura, um charuto sendo enfiado num ânus como forma de tortura, inserções de filmes de terror norte-americanos e até uma cena em que dois adolescentes de masturbam freneticamente na praia de Copacabana. Vale dizer que todo o material é explícito.
O público pode até pensar que chamar este gênero de Terrir seja uma desculpa esfarrapada para apresentar cenas apelativas e chocantes. Bem, se o pensamento é esse, como qualificar o trabalho também ousado e polêmico do diretor John Waters, pai dos filmes underground? Waters também abusava de cenas assim e usava os mesmos devassos em suas produções. Uma outra coincidência: além daquele bigodinho pilantra do Waters, os dois cineastas eram magros e usavam o mesmo estilo de cabelo. Uma grande diferença entre eles é que Waters ainda conseguiu romper a barreira das apresentações nas garagens de amigos e começou a colocar seus filmes em desconhecidas salinhas alternativas. Atualmente Waters tem até estrelas de Hollywood querendo trabalhar com ele sem cobrar salário. Ivan, até hoje, nunca colocou esses filmes em cartaz. Mostrava-os apenas para amigos, em cineclubes e faculdades.
Cada um à sua maneira, tudo o que eles queriam era fazer um cinema de resistência. Ivan estava de saco cheio do cinema novo, aquele de esquerda, politizado, que tinha em sua trama os problemas brasileiros e os eternos temas nordestinos. Um outro cineasta brasileiro que bebeu dessa fonte, foi o Zé do Caixão (José Mojica Marins). Ambos foram taxados de cineastas menores e apenas mais recentemente conseguiram o devido reconhecimento. A diferença entre os dois é que Mojica realmente queria produzir uma fita de terror. Já o cinema de Ivan era um nacionalismo vindo do Rio de Janeiro. E como todo bom carioca da gema, o que ele queria era anarquizar com tudo.
Mas nem tudo são flores no documentário de Ivan. Quem não viveu aquela época ou não sabe das suas motivações, se sente tão perdido quanto cego em tiroteio. E os 80 minutos de projeção são uma grande rajada de balas. Faltam depoimentos e explicações para toda a salada apresentada. Talvez preocupado em colocar todo o material, o diretor esqueceu-se de que o público não é obrigado a saber de tudo isso. Pelo menos ao final ele acerta em cheio com breves depoimentos de profissionais e dele próprio. Bacana saber que esse ano ele vai lançar o inédito Um Lobisomem na Amazônia. Ele não faz um longa desde 1986, mesmo tendo conseguido em seu segundo filme a expressiva marca de mais de 1 milhão de espectadores com As 7 vampiras.
A Marca do Terrir
A Marca do Terrir
Ano: 2005
Lançamento: 21.10.2005
Gênero: Documentário
País: Brasil
Classificação: LIVRE
Duração: 80 min
Direção: Ivan Cardoso
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