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Num tempo não muito distante, crimes eram resolvidos com pistas, investigações científicas, listas de suspeitos, tralhas tecnológicas. Mas daí veio o chamado thriller psicológico, e a dedução foi substituída pela intuição: inspetores quase mediúnicos entram na cabeça do serial killer para desmascará-lo. Essa lei já rendeu bons filmes. Mas Hannibal Lecter se sacudiria na sua camisa-de-força se visse A Marca (Twisted, 2004), de Philip Kaufman.
Na trama, a policial Jessica Shepard (Ashley Judd) acaba de ser promovida à divisão de homicídios de San Francisco. Mas o passado, se não a condena, torna-a problemática. O pai dela, ex-policial, matou a esposa e se suicidou. Jessica nunca entendeu o ocorrido e, por extensão, nem a própria vida - motivo pelo qual bebe sem controle, desconta a raiva em criminosos e conserva uma certa promiscuidade amorosa.
A coisa degringola quando, no seu primeiro caso na divisão, Jessica percebe que as vítimas são ex-amantes seus. Homens que morrem quando ela está desacordada em casa, depois de várias taças de vinho. Todos eles têm no dorso da mão uma queimadura de cigarro: a tal marca do assassino. Quem persegue a moça? Seria o novo parceiro de divisão, inspetor Delmarco (Andy Garcia)? Ou um antigo namorado policial que não a esquece, Jimmy (Mark Pellegrino)? Quem sabe, o seu psicólogo (David Strathairn) ou o policial (Samuel L. Jackson) que a apadrinha desde menina? Se bobear, a própria Jessica, inconscientemente, matou a todos.
E essas não são as únicas perguntas de um filme que limita assassinatos em série ao puro "achismo". Todos somos desequilibrados? Desejo de matar é hereditário? Existe uma fera dentro de cada um de nós? O que somos capazes de fazer em momento de descontrole? Estas e outras questões que saem do nada e chegam a lugar nenhum pontuam o filme de forma irritantemente pseudofilosófica. Dizer que A marca abusa da psicologia de boteco seria rebaixar os botecos.
O ecletismo de Kaufman, responsável pelo amoroso Henry & June (1990) e o biográfico Os Contos proibidos do Marquês de Sade (Quills, 2000), não conta nada aqui. Obrigado a manusear a clicheria do roteiro da estreante em longas Sarah Thorp, o diretor não consegue imprimir um ritmo autoral à obra. E não tira nada além de comicidade da limitadíssima Ashley - saber por que ela protagoniza tantos filmes policiais talvez seja a única pergunta pertinente aqui.
O incrível é que A Marca chupa dois grandes thrillers - a paisagem perigosamente encantadora da San Francisco de Um Corpo que cai (Vertigo, 1958) e as visitas aos assassinos encarcerados de O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs, 1991) - mas não extrai lições, modelos, apenas citações constrangedoras.
O ápice da falta de idéias acontece quando a policial se vê sozinha num parque e imagina estar sendo seguida. A câmera a circula para dar a idéia de vertigem e flashbacks pipocam, pela milésima vez, para pontuar o tormento da personagem. Essa obviedade contamina até o mistério: basta prestar atenção em quem ainda não apareceu com um cigarro nos dedos - segundo a lógica do filme, se a marca é uma queimadura, todos os fumantes são suspeitos - para saber quem terá seu segredo revelado no final.
A Marca
Twisted
Ano: 2004
Lançamento: 11.06.2004
Gênero: Suspense
País: EUA
Classificação: 14 anos
Duração: 97 min
Elenco: Philip Kaufman , Samuel L. Jackson , Ashley Judd , Andy García , Sarah Maur Thorp
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