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Um esclarecimento. Segundo a assessoria da Mais Filmes, distribuidora de À margem da imagem (2002), documentário sobre a situação dos moradores de rua em São Paulo, a estréia já estava programada para 17 de setembro antes de vir a público o extermínio de sete desabrigados no centro da cidade, iniciado em meados de agosto e ainda não resolvido. Não se trata, portanto, de oportunismo.
Trata-se, sim, de pertinência. Numa época em que o público adere ao tipo de discurso panfletário de Michael Moore e Morgan Spurlock, o documentário de Evaldo Mocarzel, premiado em diversas mostras em 2002, chega para polemizar, para promover o tal "choque de realidade". Afinal, parece muito fácil e reconfortante demonizar um George W. Bush ou um Ronald McDonald. Mas quem vai ao cinema para ver mendigos, esses párias sociais que viramos a cara para não encarar nas ruas e que, de certo modo, toda a sociedade mata um pouco a cada dia?
À margem da imagem não apenas dá voz a esses seres coisificados como discute a apropriação da sua imagem pela mídia. Disso trata o título do filme: os moradores de rua vivem à margem do retrato que deles é feito em telejornais, ensaios de fotografia. Seja complacente, seja perverso, esse olhar superior tira toda a humanidade daquele mendigo e suga só a tal imagem.
Também um jornalista e dramaturgo, Mocarzel não pretende flertar com a utopia de resolver o caos social. Contenta-se em conversar com os seus entrevistados, conhecer as suas tragédias e (por quê não?) discutir com eles temas contundentes. Descobrir que doentes encardidos são pessoas esclarecidas com opiniões consistentes é a primeira de muitas surpresas do filme. Saber que outras tantas pessoas administram, na raça, abrigos e centros de educação, também.
Uma vez que questiona a apropriação da imagem, Mocarzel não poderia omitir o cinema. Assim, para assumir as suas próprias limitações, ele desnuda o ofício de modo ostensivo. Enquanto uma câmera enquadra o desabrigado, outra mostra o valor simbólico pago para que acontecesse o depoimento. No fim, o máximo da autocrítica: os mendigos entrevistados são convidados a assistir ao filme. Muitos se deslumbram, mas não é raro ouvir críticas. Um deles o faz veementemente: "Hoje estou aqui, na tela, mas amanhã volto a ser o mendigo que a madame evita atender no portão; você deveria mostrar isso".
Com o seu posicionamento duro, desglamourizado, À margem da imagem é um filme que faz mal. Dá vontade de virar a Rosa Púrpura do Cairo, entrar num filme de fantasia e nunca mais voltar à rua. Mas não por isso deixa de ser altamente recomendável.
À Margem da Imagem
À Margem da Imagem
Ano: 2003
Lançamento: 17.09.2004
Gênero: Documentário
País: Brasil
Classificação: LIVRE
Duração: 72 min
Direção: Evaldo Mocarzel
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