A Outra Face da Raiva | Crítica

Não deixa de ser ironicamente delicado o nome que este filme ganhou no Brasil. Ele instiga uma certa curiosidade antagônica a boa parte dos sentimentos residuais despejados na tela. Afinal, qual seria o lado oculto do ódio? Onde estaria esse momento de bondade, de concessão, de entrega perante a raiva, a tal ponto de a resignação cristã fazer com que se dê a outra face? Pois o filme já começa em seu anticlima: plano fechado em uma família dentro de um carro, vestida de preto. Close no rosto da protagonista, Terry Wolfmeyer (Joan Allen), tão triste quanto emblemático, que traduz uma mistura de dor, angústia e muita, mas muita raiva. Corta para câmera alta num cortejo fúnebre. Quem morreu, senão a alegria dessa família?

A Outra Face da Raiva (The Upside of Anger, 2004) faz então um flashback de uns poucos anos atrás. Terry é uma mulher casada, madura, mãe de quatro filhas: Andy (Erika Christensen), Popeye (Evan Rachel Wood), Emily (Keri Russell) e Hadley (Alicia Witt). Tranqüila e doce, como diria uma delas. Entretanto, vê sua vida se transformar quando é abandonada pelo marido, que a troca por uma secretária bem mais jovem. Por conta do destino, passa a ser uma pessoa intolerante, amarga e ainda por cima beberrona. Entre um copo e outro, acaba conhecendo casualmente seu vizinho e velho amigo do esposo, Denny, um ex-jogador de beisebol interpretado (pela enésima vez) por Kevin Costner. Denny também afoga suas mágoas no álcool. Vive das glórias do passado, às custas de autógrafos e acessórios antigos, e tenta se manter fazendo um pequeno bico num programa de rádio produzido por seu amigo Shep (o também diretor e roteirista Mike Binder). É a coincidência desses desamores e desencantos, desses destinos frustrados e desiludidos de ambos, misturados a uma boa dose etílica, que aproxima Terry e Denny.

Esse mesmo encantamento se transfere para o tom da própria trama. A Outra Face procura o tempo todo não se prender a rótulos de gênero. Vai do drama psicológico à comédia romântica num pulo. Condensa-se nos problemas familiares, mas não fica enclausurado a eles. Cria expectativas falsas. Tem até pitadas sutis de humor negro. Essas oscilações de categorias funcionam a favor deste trabalho. Não se trata de ludibriar o espectador, mas procurar junto com ele a tonalidade mais adequada que cada situação exige. O longa evita exageros, escapando de ser uma comédia rasgada ou um dramalhão. Patina, escorrega, quase chega a cair. Mas isso é um exercício saudável de não se deixar engessar. Afinal, é um filme de libertação, que tenta romper os confinamentos domiciliares e psicológicos.

Entretanto, A Outra Face não tem a preocupação de chegar a algum lugar. Não toca nas feridas, apenas encosta de leve. Quando vai se aprofundar no relacionamento dos protagonistas, dissolve sua dramaticidade e foge desse ângulo. Aí passa a dar uma atenção desnecessária a um núcleo cênico apenas complementar. Trata os coadjuvantes como seres doentios, quase aberrações. O produtor musical passa a ser um pervertido, o namoradinho descobre-se gay indefinido, até um repentino câncer aparece na história. Nisso, A Outra Face perde um pouco de sua contundência por diluir aquilo que mais emociona. É a pedra de gelo a mais no whisky. É como se tivesse muita vontade de tomar um porre, mas não estivesse disposto a curtir a fossa de uma ressaca.