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Brown Bunny | Crítica

<i>Brown Bunny</i>

12.05.2005, às 00H00.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 16H05

Brown Bynny
The Brown Bynny, 2003
EUA/Japão/França

Drama - 93 min.

Direção e roteiro: Vincent Gallo

Elenco: Vincent Gallo, Chloë Sevigny, Cheryl Tiegs, Elizabeth Blake

Depois de dois anos de atraso, o público brasileiro poderá finalmente conferir o motivo de toda a polêmica em torno do último filme do multitalentoso Vincent Gallo. Brown Bunny (2003) ganhou destaque na mídia por causa de uma cena explícita de sexo oral envolvendo o próprio Gallo e a atriz Chlöe Sevigny. A tal cena foi tão marcante que a agência Philip Morris resolveu não representar mais a atriz, mesmo sendo ela uma artista indicada para o Oscar - Melhor Atriz Coadjuvante por Meninos não choram (1999). O mais irônico é que a cena seria interpretada pela Kirsten Dunst, a namoradinha do Homem-Aranha. Ela abandonou o projeto no último instante e acabou sobrando para Chlöe, ex-namorada do diretor.

Conhecido por suas excentricidades, Gallo produziu, dirigiu, escreveu, atuou e chegou a operar a câmera. Muitos o acusaram de praticar um exercício de megalomania e exibicionismo. O filme foi vaiado em sua sessão de estréia no Festival de Cannes em 2003 e virou sinônimo de piada por diversos críticos renomados. Depois do desastre, o cineasta resolveu cortar aproximadamente 20 minutos da fita. A nova versão, menos lúdica, conquistou os mesmos críticos que o vaiaram. E foi assim que produção venceu o prêmio da crítica no Festival de Veneza no mesmo ano. Porém, a controvérsia sobre a cena de sexo oral envolvendo os dois protagonistas permaneceu.

Uma pena que um simples boquete tenha se tornado mais importante que a obra. Muitas pessoas deixarão de assisti-lo ou só irão por causa da cena explícita. Alguns até irão dizer que não havia necessidade. Tudo poderia ser feito implicitamente como a cena de sexo anal entre Marlon Brando e Maria Schneider em O último tango em Paris (1972), de Bertolucci. Talvez, mas os tempos são outros e o próprio Vincent Gallo confessou que não acredita em tabus. Ele acha o sexo a relação mais antiga e natural de todos os seres do planeta. Por que negar o óbvio?

Independente das crenças de Gallo, a cena não é gratuita e tem forte conotação metafórica na narrativa. Os homens heterossexuais terão mais facilidade de entender a mensagem. Ela tem um fundo na premissa básica do macho dominante, aquele que não aceita em hipótese alguma que sua parceira se relacione sexualmente com outros machos. Uma dica é prestar mais atenção no que é dito do que no próprio ato em si.

Partindo desse ponto pode-se entender que Brown Bunny é um libelo sobre a culpa. O diretor soube construir com imagens esse conceito. A cena de sexo oral, que surge nos 15 minutos finais, é justamente a conclusão desse pensamento. Antes disso vamos descobrindo aos poucos quem são os personagens. Vincent Gallo é Bud Clay, um piloto de motocicletas. O acompanhamos em sua trajetória de New Hampshire até a Califórnia. Logo nas primeiras cenas percebemos que alguma coisa o angustia. Aos poucos descobrimos que foi a perda de sua namorada, Daisy (Sevigny). O objetivo da viagem é revê-la. E até chegar ao seu destino, Bud irá encontrá-la nas lembranças, nos lugares marcantes ou nas próprias pessoas. Ele esta numa turnê em busca da redenção.

Como na estréia

Vincent Gallo já tinha feito essa viagem em Buffallo 66 (1998), sua estréia como diretor em longas-metragens. Ele também interpretava um homem atormentado pelo passado na pele do protagonista Billy. Esse filme foi concebido no mesmo estilo das produções do falecido John Cassavetes, em que um simples drama familiar transforma-se numa história bizarra. Apesar de terem ritmos distintos, em ambos os roteiros percebe-se um diretor preocupado em construir por meio de imagens e diálogos uma trama peculiar com uma linguagem cinematográfica própria.

A grande diferença entre Billy e Bud Clay é que agora a angústia é interna. A cada nova seqüência o espectador vai percebendo que ele é um fantasma de carne e osso que está vagando entre as pessoas. Sua vida tornou-se um looping atemporal de emoções. Clay almoça, toma banho, se veste e dorme. Todas as funções necessárias são realizadas, mas de maneira robotizada. Vincent Gallo escolheu os closes, a câmera desfocada e a película granulada para separar a reflexão do real. As longas tomadas feitas de dentro da van em movimento retratam que o seu percurso não tem destino. Sua busca nunca terá fim. O pára-brisa com pequenas manchas de insetos mortos é o único objeto que nos prende ao mundo real.

Em seu caminho ele conhece três mulheres: Violet (violeta), uma menina entediada com a vida, Lilly (lírio), uma mulher angustiada e triste, Rose (rosa), uma prostituta melancólica. Bud Clay busca nelas o afeto perdido de Daisy (margarida). Só que elas também parecem fantasmas de nossa realidade. As três buscam o mesmo conforto de que Clay precisa. Todas têm nomes de flores como a antiga namorada. A relação intrínseca entre as quatro será evidenciada quando descobrirmos os motivos que levaram Clay e Daisy a se separarem. A cena envolvendo Lilly é a mais aflitiva e poética. Clay senta-se ao lado dela e, depois de se entreolharem, começam a se beijar. O semblante dos dois mostra profunda tristeza. Nada é dito. Não há necessidade. Os dois conhecem a desilusão.

Em uma de suas paradas, Clay resolve visitar a casa de Daisy na infância. Eles eram vizinhos quando pequenos. No trajeto vemos de um lado as típicas casas americanas com seus jardins milimétricos, e do outro um cemitério. Nesse conflito de imagens percebemos que vida e morte convivem pacificamente. O significado desse contraste só será definido ao final da projeção. Na casa da mãe de Daisy, ele nos oferece mais pistas. O protagonista comenta sobre o filhote de coelho marrom na gaiola. A mãe de Daisy afirma que ela sempre criou coelhos. Mais tarde, numa loja de animais, Clay pergunta a um funcionário o tempo de vida de um coelho. A informação é repetida várias vezes durante essa seqüência. Isso gera uma antítese visual que estimula o espectador a desvendar a trama.

Esses jogos cênicos são intercalados com pequenos clipes musicais. Dependendo das ações, temos jazz, melancolia ou trova. Em dois momentos do longa-metragem, Vincent Gallo coloca músicas em que as letras completam as imagens. São canções características dos anos 1970, com voz e violão. Interessante que as cenas de lembranças com Daisy não possuem som algum. São secas e duras como a morte. A exceção é só no encontro final entre os dois protagonistas, que culmina numa mensagem comovente.

Alguns podem formular questões sobre qual era verdadeira intenção de Gallo. Seria um road movie introspectivo dos anos 1970? Sim. Seria um filme sobre o amor? Também. Mas antes de tudo, é um filme sobre a culpa. E como essa culpa pode esmagar um homem e deixá-lo à deriva, sem destino.

Nota do Crítico
Bom
Brown Bunny
The Brown Bunny
Brown Bunny
The Brown Bunny

Ano: 2003

País: EUA/Japão/França

Classificação: 18 anos

Duração: 93 min

Direção: Vincent Gallo

Elenco: Vincent Gallo, Chloë Sevigny, Cheryl Tiegs, Elizabeth Blake, Anna Vareschi, Mary Morasky

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