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Independente do que faça daqui pra frente, Steven Spielberg já tem seu nome grafado na história do cinema. No entanto, é também prova viva de que não se deve viver dos louros do passado.
Seus maiores sucessos de crítica são justamente os primeiros trabalhos, antes de se tornar sinônimo de filme-família, quando ele fazia longas que desafiavam convenções e surpreendiam o público. Porém, nos últimos anos o cineasta parece tomado por uma bobeira. Nenhuma de suas mais promissoras produções traz um final convincente, daqueles de fazer verter lágrimas pela genialidade. E não falo de lágrimas causadas por um menino que tem que dar adeus a seu ET de estimação... mas sim das geradas após a obra-prima que é um Contatos imediatos do terceiro grau (1977), que tem em seu clímax uma das mais corajosas e honestas decisões de um personagem já vistas no cinemão hollywoodiano.
Relembre: O resgate do soldado Ryan (1998), Inteligência artificial (2001) e Minority report (2002), os mais grandiosos filmes do diretor nos últimos 10 anos, começaram de maneira surpreendente e trouxeram em seu conteúdo elementos que lembravam aquele Spielberg do começo de carreira. No entanto, todos falharam na conclusão.
Guerra dos Mundos (War of Worlds, 2004), seu novíssimo e alardeado projeto ao lado de Tom Cruise, infelizmente não foge à regra da última década. Tem um início digno do Spielberg anos 1970. Seu personagem principal, o operário divorciado Ray Ferrier (Cruise, numa das melhores interpretações de sua carreira) é um bruto egocêntrico. Não liga para o casal de filhos que teve em seu antigo casamento e não faz qualquer esforço para reverter esse quadro. Seu interesse pelos dois, Robbie e Rachel (Justin Chatwin e a sempre assustadora menina-velha Dakota Fanning), só se desenvolve aos poucos, durante a situação mais desesperadora de sua vida: mantê-los vivos.
A tal situação, você adivinhou, é resultado da dramática invasão alienígena à Terra. Ela também traz elementos dignos do início de carreira do cineasta: corpos pulverizados explodindo em cinzas, chuva de sangue e muitos gritos de horror, tudo regado a efeitos especiais excepcionalmente realistas. Os trípodes alienígenas e as máquinas de destruição que espalham a morte mundo afora são assustadoras e em momento algum parecem criações digitais. Todas as imagens dos ataques que elas promovem e a correria e a devastação resultantes lembram imediatamente - e propositalmente - o 11 de Setembro de 2001 e escancaram a paranóia estadunidense sobre o tema. No momento em que os primeiros raios são disparados pelos tripodes - torres gêmeas e aviões sequestrados em um só elemento -, a pequena Rachel confirma o que já está sendo observado. São eles? São os terroristas?, pergunta.
Porém, ainda mais dramáticas que a invasão são as cenas em que os humanos refugiados se enfrentam numa tentativa de sobreviver alguns minutos a mais. A família Ferrier é a única que possui um carro funcionando e isso a transforma imediatamente em alvo dos que estão atravessando o país a pé, em busca de segurança. As seqüências que tratam do assunto são as melhores e mais tensas do filme, muito mais impactantes que qualquer arma letal alien. Sem ETs à vista, mostram o Homem como a maior ameaça para si mesmo. Mais tarde, a apresentação de um enlouquecido refugiado (Tim Robbins) no porão de uma casa reforça a idéia com extrema competência. Os fins justificam os meios... principalmente se o fim for a sua própria sobrevivência.
Se Guerra dos Mundos ficasse apenas por aí seria um filme excepcional... mas chegam os cinco minutos finais e, com eles, a certeza de que bateu a já mencionada bobeira em Spielberg. Aos 44 do segundo tempo a produção lamentavelmente (e escrevo isso realmente desapontado) se afunda em clichês terríveis e idéias medíocres. Tal mudança é completamente inesperada, afinal, até aquele momento o filme parecia um dos melhores trabalhos do cineasta. O erro dos ETs - e claro, da adaptação dos roteiristas Josh Friedman e David Koepp - não foi contemporizado e, para os dias atuais, soa tão primário que fica difícil respeitar o filme. A impressão que fica é que os aliens, que até então destruíam tudo e todos sem piedade, devem ser parentes dos invasores idiotas de Independence Day (aqueles que usavam Windows 95 em sua nave mãe).
Com certo esforço é até possível buscar uma razão metafórica para o desfecho, algo que pode funcionar como uma espécie de alerta ambiental para a humanidade. Mas, novamente, o tema é batido demais para ser levado em conta. E o que começou Tubarão (1975) terminou Hook (1991).
Ano: 2005
País: EUA
Classificação: LIVRE
Duração: 116 min
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Josh Friedman, David Koepp
Elenco: Tom Cruise, Dakota Fanning, Miranda Otto